Título: Perspectiva de crise no dia seguinte
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 04/05/2008, O Mundo, p. 39

REFERENDO BOLIVIANO

Partidários e opositores de autonomia de Santa Cruz já preparam confronto.

Seja qual for o resultado do referendo de hoje no departamento (província) de Santa Cruz, a crise política continuará instalada na Bolívia. Tanto os movimentos contrários quanto os favoráveis à autonomia admitem que o acirramento só tende a aumentar após a votação. Ambos os lados já se articulavam ao longo da semana para as ações após o referendo. Os grupos trabalham com várias hipóteses, que vão desde uma saída negociada até um estado de guerra civil.

No pano de fundo da briga política que divide o país estão o projeto de reforma agrária e a nova Constituição que o presidente Evo Morales tenta aprovar. Os grupos ligados ao Movimento ao Socialismo (MAS) de Evo Morales afirmam que não aceitarão o referendo. Eles também querem a autonomia, mas a querem num modelo muito diferente do previsto no estatuto de Santa Cruz, que será levado a votação hoje.

- Há duas saídas possíveis: uma é o confronto, que desencadeará uma guerra civil, e a outra é a negociação. É possível que haja um acordo, desde que os autonomistas aceitem a Constituição vigente, não cumprindo seu estatuto. É possível que consigam alguma liberalidade do governo central, desde que apóiem a nova Constituição - disse Felix Martinez, presidente do Comitê Cívico de San Julian, um dos mais afinados com o MAS.

Em minoria no departamento de Santa Cruz e em toda a região da Meia Lua, formada também por Tarija, Pando e Beni, que também preparam referendos para o mês que vem - as regiões mais ricas da Bolívia, situadas nas terras baixas -, os movimentos que formam o MAS avaliam que na próxima semana receberão o apoio maciço dos bolivianos do altiplano. Preparam assembléias e protestos.

- Nós queremos a autonomia, mas não esta que está no estatuto. Temos um paradigma, que é o da visão indígena andina. Faremos mobilizações todos os dias, se necessário, mas não permitiremos a implantação deste tipo de autonomia golpista - afirmou Damian Caiguam, do Parlamento Popular do Plan Tres Mil, em Santa Cruz.

Já os autonomistas se dizem prontos para fazer valer o resultado de seu referendo: a partir de amanhã, pretendem começar seu processo de transição. Alguns falam em ocupar prédios estatais. Os líderes autonomistas afirmam apenas que farão o processo sem violência.

- Nós vamos iniciar o processo imediatamente após o referendo. Faremos o que for preciso para fazer valer a vontade que os cruzenhos depositarão nas urnas, de maneira tão democrática - disse Victor Hugo Velasco Iporre, da Confederação Nacional de Indígenas Originários da Bolívia, que integra o Comitê Cívico de Santa Cruz, articulador do referendo.

Situação no país pode se agravar

Um dos apoiadores do referendo, o líder do movimento Nação Camba, Sérgio Antello Gutierrez, disse que a situação poderá se agravar em seu país nos próximos dias:

- Não creio que a crise será superada, mas sim muito agravada. Evo está convencido de seu projeto revolucionário, voltado para o nacionalismo de modelo andino. Mas seu grupo de apoio é heterogêneo, e inclui muitos fundamentalistas que podem, inclusive, lhe dar um golpe de Estado. Portanto, mesmo que o "sim" seja vitorioso, ele deverá manter seu radicalismo. Ele continuará nos apertando com suas restrições às exportações.

Gutierrez garante, porém, que uma negociação ainda pode acontecer:

-Por outro lado, essa nossa luta não é de um dia, não se resume aos nomes das atuais lideranças. Elas poderão, no entanto, negociar. Evo com suas pressões e os movimentos de Santa Cruz com o apoio popular à autonomia.

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