Título: Repetência maior, só na África
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 01/05/2008, O País, p. 3
Apenas 53,8% das crianças concluem ensino fundamental no Brasil, segundo a Unesco.
Um relatório divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) mostra que apenas 53,8% das crianças brasileiras matriculadas na escola conseguem terminar a 8ª série (ou 9 º ano). O dado diz respeito a 2005, e indica que a situação piorou em relação a 1999, quando 61,1% dos jovens concluíam o nível fundamental. O problema é provocado pelos altos índices de repetência e evasão. Na 1ª série do ensino fundamental, informa o relatório, 27,3% das crianças brasileiras foram reprovadas em 2003. No Nordeste, apenas 38,7% conseguiram terminar o ciclo fundamental.
- A repetência só é maior nos países africanos - disse, sem conter o espanto, o representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny.
Com uma das maiores taxas de repetência do planeta, o Brasil corre o risco de não atingir pelo menos três dos seis objetivos do chamado compromisso Educação para Todos, estabelecido mundialmente em 2000, com metas até 2015. Entre elas, a oferta de ensino de qualidade e a redução pela metade do analfabetismo de jovens e adultos.
País não cumprirá meta de 2000
O Relatório de Monitoramento de Educação para Todos acompanha o que 129 países estão fazendo para atingir os objetivos. O Brasil não tem muito a comemorar: aparece em 76ºlugar, atrás de vizinhos como Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela, Peru, Equador, Bolívia e Paraguai. A posição intermediária indica que o país poderá não cumprir o que prometeu em 2000. Na ponta de cima, 51 nações já chegaram lá ou estão muito perto disso. Enquanto, na ponta de baixo, 25 países, incluindo a Índia, o Paquistão e nações africanas, dificilmente conseguirão atingir as metas.
Em 2001, quando o ranking foi elaborado pela última vez, o Brasil estava em 72º lugar, e recuou quatro posições, mas entraram mais quatro países no universo da pesquisa. Em 2001, eram avaliados 125. Agora, 129. Como não existe um teste mundial de conhecimentos, o estudo avalia a qualidade do ensino por meio de um indicador comparável internacionalmente: o número de estudantes que chegam à 5ª série do ensino fundamental (6º ano), ou seja, que "sobrevivem" à escola.
No Brasil, essa taxa era de 80% em 2005. O indicador piorou em relação a 2004 (84%). Para a Unesco, no entanto, essa variação é desprezível, pois pode estar dentro da margem de erro estatística. O mesmo vale para o Índice de Desenvolvimento de Educação para Todos (IDE), que serve de referência para o ranking e caiu de 0,905 para 0901, entre 2004 e 2005. A escala vai até 1.
A consultora da Unesco Angela Rabelo Barreto, uma das autoras do relatório, disse que o problema maior está na estagnação do país em torno desse índice: tanto em 2001 quanto em 2002, a taxa brasileira já ficara em 79,9%. Ou seja, a escola pública ensina pouco e ainda expulsa parte dos alunos ao longo dos anos, seja por meio da repetência ou da evasão.
Crítica à "indústria da aprovação"
A taxa de repetência brasileira na 1ª série, assim como nas demais, supera não só a dos vizinhos sul-americanos como a dos países em desenvolvimento mais populosos, o grupo do chamado E-9, que reúne nações com características semelhantes às do Brasil: China, Índia, Nigéria, Indonésia, Paquistão, Egito e Bangladesh.
- O Brasil comete dois equívocos simultaneamente: criou uma indústria da repetência e uma indústria da aprovação automática - admitiu o ministro da Educação, Fernando Haddad, fazendo referência também a outro contingente de alunos que até consegue completar o ensino fundamental, mas pouco ou nada aprende.
O relatório diz que o Brasil terá dificuldades para garantir a paridade entre gêneros. Diferentemente do que ocorre no mundo árabe ou na Ásia, onde as mulheres têm menos acesso à educação, no Brasil são os homens que abandonam a escola, fazendo com que elas sejam maioria. Outro objetivo é a redução do analfabetismo na população de 15 ou mais anos: a meta prevê uma queda de 50% em relação ao índice de 1990, o que significaria uma taxa de 6,8%. Em 2006, 10,5% não sabiam ler e escrever.
A meta mais próxima de ser atingida é da universalização do ensino primário. Defourny observou, porém, que o acesso à escola é só um meio de dar transmitir conhecimento. Ou seja, é preciso que os alunos ingressem, permaneçam, mas, acima de tudo, aprendam.
O estudo enfatiza que a superação das desigualdades regionais, assim como socioeconômicas e raciais, é outro grande desafio:
- A dificuldade de incorporar os segmentos da população mais excluída sempre foi o problema da educação brasileira - disse o ex-representante da Unesco no Brasil Jorge Werthein.
A consultora Angela ressalvou, porém, que o relatório monitora os índices de 1990 a 2005. Deixa de fora, portanto, os esforços do governo federal nos últimos anos.
Haddad procurou minimizar o estudo, enfatizando que se tratam de dados produzidos pelo IBGE e já divulgados. Ele disse que os problemas identificados serviram de base para o Plano de Desenvolvimento da Educação, lançado em abril de 2007 e que recebeu a adesão de 5.400 prefeitos e de todos os 27 governadores, com metas até 2022. O ministro defendeu maiores investimentos no ensino. Segundo ele, o país precisa aplicar pelo menos 6% do PIB. Hoje são 3,9%.
- Hoje se vê empresários falando sobre educação. Até eles perceberam que não é só o lucro das empresas que conta. Há muito o que fazer ainda. Há uma longa avenida pela frente. Mas era uma avenida esburacada. Hoje acho que é pavimentada e vai permitir acelerar o passo - disse Haddad.