Título: CLT 2.0
Autor: Magnoli , Demétrio
Fonte: O Globo, 01/05/2008, Opinião, p. 7

Hoje, os neopelegos da CUT e da Força Sindical celebram a sua incorporação política e financeira ao aparato estatal. A nova lei sindical sancionada por Lula é uma maquiagem da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Agora, os trabalhadores sustentarão, além dos dirigentes de sindicatos cartoriais, uma elite adventícia de usurpadores do direito de organização dos assalariados.

Modernidade e arcaísmo se imbricam na história dos sindicatos. A integração dos sindicatos ao Estado, uma obra de Getúlio Vargas, funcionou como instrumento de controle social para a arrancada industrial do país. A Lei de Sindicalização, de 1931, criou os sindicatos oficiais, subordinados ao Ministério do Trabalho. A Constituição de 1937, do Estado Novo, proibiu os sindicatos livres. A CLT, estabelecida em 1º de maio de 1943, completou o edifício. Nas palavras de Vito Giannotti, estudioso do movimento operário: "O sindicato corporativista foi imposto pela força: o esmagamento prévio da liderança operária combativa. Mas, também, pela cooptação, pela chantagem (...)."

Na CLT original, o imposto sindical prendia os sindicatos ao Estado e a unicidade sindical assegurava uma "reserva de mercado" aos pelegos. A CLT 2.0 de Lula mantém esses fundamentos da ordem varguista, mas redistribui os recursos financeiros no interior da casta sindical premiando as cúpulas das centrais oficializadas. Numa festa de arromba, o presidente-sindicalista entrega um farto butim à horda de antigos colegas que, junto com ele, iludiram a nação com a promessa da liberdade sindical. A CUT receberá a maior parte de um tesouro anual de mais de R$100 milhões.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, sob o pano de fundo de grandes mobilizações operárias na Europa e nas Américas, traduziu no direito internacional as conquistas de meio século de lutas sociais. A sua Convenção 87, de 1948, fixa o princípio da liberdade sindical - isto é, da livre associação e da completa separação entre os sindicatos e o Estado. O Brasil não a ratificou para preservar a CLT. A CUT nasceu em 1983, em ruptura com o sindicalismo oficial, erguendo a bandeira da liberdade dos sindicatos. Agora, seus dirigentes fecham um ciclo histórico, convertendo-a no vértice da pirâmide de sindicatos integrados ao Estado.

A CLT 2.0 confere ao Ministério do Trabalho o poder de oficializar centrais sindicais. A oficialização transfere a elas 10% de tudo que é pilhado dos trabalhadores, mas não permite que negociem acordos coletivos ou representem os trabalhadores em juízo, prerrogativas que continuam exclusivas dos sindicatos. De acordo com a lei lulista, "representação" significa, essencialmente, o privilégio de rapinar os "representados".

Na CLT lulista persiste o ferrolho da CLT varguista, que é o princípio da unicidade sindical. O segredo do negócio está na articulação da unicidade com o conceito mágico de "base", que faz do sindicato único o "representante" do conjunto da categoria e impõe à maioria não sindicalizada o pagamento de contribuições sindicais. A operação conceitual viola a Constituição, na qual está escrito que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado".

Não é por pudor que Lula inscreveu no remendo da CLT a substituição do imposto sindical por uma contribuição negocial, igualmente cobrada de toda a "base" do sindicato. O velho imposto varguista estabelecia uma rapina anual limitada a 3,3% de um salário mensal. O novo imposto lulista, vestido num eufemismo, tem seu valor fixado em assembléia e pode até ultrapassar 13% de um salário mensal.

Os neopelegos das centrais oficiais formam uma casta muito mais poderosa que os pelegos originais. Como altos burocratas de Estado, eles participam da gestão dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Como administradores de capital anônimo, gerem os investimentos dos fundos de pensão no mercado financeiro e em empresas privatizadas. Como quadros petistas, o núcleo dessa casta forma uma espinha dorsal da elite dirigente.

Liberdade sindical? Isso é coisa de pobre.

DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP. E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br.