Título: Por uma ação latino-americana contra o tráfico
Autor: Tabak, Flávio; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 01/05/2008, O País, p. 10
Reunida no Rio, comissão defende ponto de vista único do continente, com foco na redução do consumo de drogas.
A busca por uma visão latino-americana sobre o combate às drogas, que evite o erro de copiar modelos do mundo desenvolvido e leve em conta as particularidades locais. Esse foi o caminho apontado pelos participantes da primeira reunião da comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. O encontro reuniu, ontem, no Hotel Glória, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e César Gaviria (Colômbia), co-presidentes da comissão, personalidades de diversos países e especialistas. Ernesto Zedillo, ex-presidente do México, participou por videoconferência.
Os debates e palestras, organizados por Fernando Henrique, identificaram pelo menos um consenso entre os participantes: a guerra ao narcotráfico não vem dando resultados. Para os participantes, é preciso buscar alternativas mais centradas na redução do consumo.
- Ficou claro que é preciso ter um ponto de vista sobre a questão da droga e da violência que corresponda à situação latino-americana - disse o ex-presidente, organizador do encontro, lembrando que, enquanto no Brasil o consumo de drogas está aumentando, nos Estados Unidos está diminuindo:
- Só isso mostra que há diferenças. Não temos a mesma capacidade repressiva que tem o Estado americano. Então temos que buscar alternativas.
O ex-presidente da Colômbia, que governou o país de 1990 a 94 - no período de Pablo Escobar à frente do Cartel de Medellín - afirmou que o tema impacta as principais instituições do continente:
- Temos nós, na Colômbia, muito a acrescentar sobre como enfrentar o tráfico. Esse tema é um desafio para as nossas democracias - disse Gaviria, defendendo discussão sobre a despenalização do consumo de drogas:
- Os instrumentos usados contra o álcool e o cigarro podem ser utilizados com outras drogas. Não é mais possível discutir apenas como um problema criminal, mas também de saúde pública.
Por videoconferência, Zedillo considerou o narcotráfico como um dos principais problemas da América Latina:
- É a principal ameaça à segurança pública de nossas nações.
Fernando Henrique defendeu uma discussão aberta sobre o tema dentro das famílias, nas empresas, nas escolas, deixando claro que não é a favor da legalização das drogas:
- Legalização é um passo adiante. Fala-se em despenalização. Não faz sentido penalizar da mesma maneira quem usa heroína e quem usa maconha.
O encontro concluiu ainda que a meta estabelecida pela ONU em 1998 para erradicar o consumo e a produção de drogas em dez anos ainda está longe de ser alcançada. Ao contrário do pretendido, os gastos de políticas antidrogas aumentaram - chegam a US$40 bilhões por ano só nos Estados Unidos -, enquanto o mercado mundial movimenta cerca de US$60 bilhões.
A comissão fará mais duas reuniões: uma em setembro, na Colômbia, e outra em fevereiro, no México. O resultado dos encontros será apresentado em março de 2009 em Viena, na Áustria, em reunião promovida pela ONU para discutir o tema.
Integram a comissão, além dos ex-presidentes, o jornalista Alejandro Junco, diretor do diário "La Reforma"; a jornalista Ana María Romero de Campero, diretora da Fundação Unir Bolívia; Antanas Mockus Sivickas, ex-prefeito de Bogotá; o juiz Diego García Sayán, vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; o escritor mexicano Enrique Krauze; o jornalista Enrique Santos Calderón, diretor do diário "El Tiempo"; o general Alberto Cardoso, ex-ministro-chefe institucional do Gabinete da Presidência da República; o jornalista João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo; o escritor Mario Vargas Llosa; Moisés Naím, diretor da revista "Foreign Policy"; Patricia Llerena, juíza da Câmara do Tribunal Oral Criminal de Buenos Aires; o escritor Paulo Coelho; Sergio Ramírez, ex-presidente da Nicarágua; Sonia Picado Sotela; ex-embaixadora da Costa Rica nos Estados Unidos; e o escritor argentino Tomás Eloy Martínez