Título: Com a chancela de porto seguro
Autor: Frisch, Felipe; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 01/05/2008, Economia, p. 25

Brasil ganha grau de investimento da agência Standard & Poor"s. Bolsa dispara 6%.

Eo dia tão esperado chegou: o Brasil recebeu ontem o investment grade (grau de investimento), a nota dada por agências de classificação de risco a países em que o investimento é considerado seguro. A Standard&Poor"s (S&P) elevou, de "BB+" (nível especulativo, com risco de inadimplência) para "BBB-", a avaliação de crédito dos papéis do governo em moeda estrangeira. Pela avaliação da agência, o país já era "BBB" em moeda local, que também foi elevada ontem para "BBB+", mas a nota considerada relevante para os investidores estrangeiros é a de moeda estrangeira. O rating é importante para um país porque muitos fundos internacionais - sobretudo os americanos, europeus e japoneses, os mais poderosos e conservadores - só podem investir em títulos públicos e ações de empresas de nações com grau de investimento.

A Fitch, outra grande agência, informou ontem que o rating (nota de risco) do país está sob revisão ativa de uma equipe de títulos soberanos de "nível sênior" no país. Atualmente, a nota da agência para o Brasil é "BB+". Já a Moody"s afirmou que suas notas para o país ficam inalteradas, devido ao nível ainda elevado e à composição da dívida interna do governo brasileiro. A nota atual da Moody"s é "Ba1".

Com o anúncio da S&P, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) disparou. Seu principal indicador, o Ibovespa, chegou a subir 4.212 pontos em duas horas e ultrapassou, pela primeira vez, os 68 mil pontos, na máxima do dia. Encerrou em alta de 6,33%, aos 67.868 pontos - marca também inédita em um fechamento. Esta foi a maior variação diária desde 17 de outubro de 2002, quando subiu 6,34%. O volume total negociado foi de R$9,7 bilhões, quantia 61% maior que a média diária no mês, de R$6 bilhões. Já o dólar recuou 2,40%, para R$ 1,664. O risco-país caiu 3,68%, para 217 pontos centesimais, o menor do ano.

O Brasil foi o último do chamado bloco dos Brics - grupo de países de economias emergentes, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - a receber a nota. Rússia e África do Sul já são "BBB+", China é "A" e Índia também é "BBB-". A decisão anunciada ontem afasta o estigma da moratória (suspensão de pagamentos da dívida) brasileira decretada em 1987, que era um dos itens apontados como impedimento para a melhora da nota.

O relatório da S&P destaca a "maturidade das instituições e do sistema político, evidenciada pelo alívio das cargas fiscal e da dívida externa", além da política monetária conservadora.

"A geralmente pragmática e previsível política e as instituições corretamente transparentes deram base à estabilidade macroeconômica brasileira", diz o relatório, destacando ainda o regime de câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação e a transição política entre os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula.

O comunicado, no entanto, alerta para algumas fraquezas, que podem evitar que o país tenha uma nova revisão de sua nota para cima, e as respectivas recomendações para resolvê-las. Segundo a S&P, os indicadores e a política fiscal são o principal ponto fraco da credibilidade do país. A agência destaca que a dívida do setor público correspondia a 47% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país) no fim de 2007, mais alta do que na maioria dos países com avaliações de crédito semelhantes e superior à média (percentual mais freqüente), de 20%, dos países com nota "BBB".

Bancos e Eletrobrás são reclassificados

"Para mitigar o peso dessa dívida, a S&P espera que a política fiscal se mantenha consistente com o histórico de quase dez anos de encontro com as metas fiscais definidas", diz o documento. A agência avalia que a política fiscal deve continuar expansionista - ou seja, com gastos elevados do governo - entre 2008 e 2009, mas prevê uma receita fiscal consistente com a meta de superávit primário (diferença entre receitas e despesas, sem contar o pagamento dos juros) de 3,8% do PIB.

No início da noite, a S&P também elevou as notas de oito bancos brasileiros, além do BNDES e da Eletrobrás. Os bancos foram Itaú, Itaú BBA, Bradesco (os três de "BBB-" para "BBB"), Banco do Brasil, Unibanco, Santander, HSBC e Banco do Nordeste (os cinco de "BB+" para "BBB-"). BNDES e Eletrobrás subiram de "BB+" para "BBB-" em moeda estrangeira.

Na Bolsa, entre os papéis que mais se destacaram estiveram as ações da Bovespa e da BM&F, com altas de 17,28% e 18,31%, respectivamente. Segundo especialistas, elas tendem a se beneficiar com um volume maior de negociação de ativos no Brasil. Empresas ligadas a construção civil, como Cyrela e Gafisa, também viram suas ações ON (com direito a voto) dispararem 15,69% e 14,06%, respectivamente. A expectativa é de que, com um maior volume de investimentos no país, a economia cresça e impulsione o mercado imobiliário.

De acordo com o responsável pela área comercial da Brascan Corretora, Rodrigo Aché, o custo de captação das empresas tende a baixar.

- Se, até agora, as empresas estavam captando por um custo mais alto em função da crise lá fora, este efeito será reduzido pelo grau de investimento - diz.

Pedro Bastos, principal executivo do HSBC Investment no Brasil, ressalta que muitos destes grandes investidores ainda precisarão esperar até que uma segunda empresa de classificação de risco dê o grau de investimento ao Brasil. A exigência faz parte de seu regulamento.

COLABOROU Bruno Rosa

LULA: "SOMOS DONOS DO NOSSO PRÓPRIO NARIZ", na página 26