Título: As negociações com as Farc tiveram erros
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 01/05/2008, O Mundo, p. 37

Ex-presidente da Colômbia César Gaviria diz que na última missão para resgatar Ingrid houve falha de comunicação.

César Gaviria foi presidente da Colômbia entre 1990 e 1994 e secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) entre 1994 e 2004. Economista, liderou durante seu governo uma ampla mudança institucional no país que resultou na reforma do Judiciário e em uma nova Constituição. Também ficou conhecido internacionalmente por sua política de defesa dos direitos humanos. Ingressou na política aos 23 anos e foi deputado e ministro de governo por duas vezes, assumindo as pastas das Finanças e do Interior. Atualmente, é líder do Partido Liberal colombiano e se diz cada vez mais distante do governo de Alvaro Uribe. No Rio, participou ontem do lançamento da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, da qual é co-presidente.

Leonardo Valente

Os últimos meses foram marcados pela libertação de alguns reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), como Clara Rojas, Consuelo González e Luis Eládio Perez, mas também pelo fracasso na tentativa de se libertar a ex-senadora Ingrid Betancourt. Como o senhor avalia as últimas tentativas de negociar reféns com a guerrilha?

CÉSAR GAVIRIA: A crise humanitária dos reféns em poder das Farc se torna cada dia mais urgente e, não há dúvidas, é uma prioridade, não só para a Colômbia mas para a comunidade internacional. As negociações com a guerrilha tiveram até então muitos pontos de acertos, caso contrário não teríamos reféns libertados, mas também alguns erros. Mas é importante ressaltar que é normal que, ao se negociar com guerrilheiros, erros sejam cometidos, pois o comportamento deles muitas vezes oscila.

No caso da última tentativa de se libertar Ingrid, que erros o senhor aponta como os que teriam contribuído para o fracasso da missão?

GAVIRIA: O grande problema da última missão para resgatar Ingrid Betancourt foi a falta de comunicação dos envolvidos com as Farc. Não se poderia esperar o sucesso da operação sem que a guerrilha se demonstrasse disposta a colaborar. Criaram-se grandes expectativas, esperanças por parte dos parentes, especulações da imprensa e da opinião pública, e nada aconteceu. Isso gera uma frustração muito grande. Mas tudo isso poderia ter sido evitado, pois a falta de informação já nos dava um desfecho para aquela missão. Esse, eu acredito, foi o pior erro.

Vários países já se ofereceram para ajudar nas negociações de libertação dos reféns, e alguns, como a França, já participam ativamente das negociações. Na sua opinião, a participação de outros países ajuda ou atrapalha nas negociações?

GAVIRIA: Sem dúvida, ajuda. O papel exercido pela França e por outros países da União Européia tem sido muito importante. Creio também que a participação de países vizinhos, especialmente do Brasil, pode ser fundamental nas negociações com a guerrilha. O Brasil tem um papel importante na América do Sul, tem peso, e isso ajudaria na busca por uma solução negociada. A Colômbia tem muita dificuldade em trabalhar sozinha com a guerrilha, quase todas as vezes em que isso aconteceu o resultado não foi exitoso. É preciso que outros mediadores participem desse processo.

Como o senhor avalia a participação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, nessas negociações?

GAVIRIA: O presidente Hugo Chávez tem uma relação respeitosa com as Farc, e isso, sem dúvida, tem contribuído para a libertação de reféns. As relações entre Colômbia e Venezuela, apesar dos atritos pontuais, são muito importantes para ambos os países, tanto comercialmente como estrategicamente. E isso deve ser levado em conta.

Como o senhor avalia a recente crise entre Colômbia, Equador e Venezuela, por causa da operação militar colombiana, em território equatoriano, que matou o guerrilheiro Raúl Reyes?

GAVIRIA: Precisamos levar em conta que as operações das Farc no Equador são um fato verdadeiro e representam um perigo, tanto para a Colômbia quanto para toda a região. Por isso, acredito que era necessária a operação. Só não concordo com a forma como ela foi feita. Alguns erros cometidos, como a falta de diálogo com as autoridades equatorianas e a falta de habilidade em se justificar a operação, resultaram nessa crise com o Equador. Mas não podemos fechar os olhos para as operações da guerrilha naquele país.

Se o senhor fosse o atual presidente da Colômbia, agiria da mesma forma que Uribe em relação ao tema?

GAVIRIA: É sempre muito complicado se colocar na posição de presidente, mesmo quando já se esteve no cargo. O que posso dizer é que provavelmente eu também apoiaria uma ação militar contra os guerrilheiros. Mas o faria de forma diferente, mais habilidosa diplomaticamente para se evitar uma crise de grandes proporções, como a que aconteceu recentemente.

O senhor está no Brasil para participar do lançamento da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. A questão das drogas na Colômbia tem relação direta com as Farc. Combater o narcotráfico é também combater a guerrilha, ou o lado ideológico das Farc ainda é mais forte que o lucro das drogas?

GAVIRIA: O problema do narcotráfico é hoje crucial na Colômbia, creio que ainda mais importante que no resto da América do Sul. Não há dúvidas de que são as drogas que abastecem os guerrilheiros. Graças a elas, eles conseguem dinheiro, recursos para sobreviverem na selva e armas. Combatendo o narcotráfico estaremos combatendo também as Farc, que não sobrevivem mais de ideologia. Mas o combate ao narcotráfico não se restringe a um só país. É preciso também que o consumo da droga nos grandes mercados seja combatido.