Título: Faroeste caboclo
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 12/05/2009, Política - Nas Entrelinhas, p. 04

Os defensores da lista fechada sonham com o melhor dos mundos, para eles mesmos: uma política garantida por verba estatal, mas fora do controle legal do Estado

Um argumento caro aos defensores do voto indireto para deputados federais, estaduais e vereadores (lista fechada) é que ele reduzirá a influência do poder econômico nas eleições parlamentares. A coisa é apresentada como um trade-off bem razoável. Os partidos teriam a prerrogativa de definir os eleitos, para que em troca a sociedade obtivesse, entre outras vantagens, o fim dos assim chamados trens-pagadores, os candidatos que saem por aí comprando apoio político para se eleger.

Estamos diante do típico caso no qual para um problema complexo se encontra uma solução aparentemente simples. E errada, como sabiamente acrescenta a frase famosa. Por uma razão óbvia: o dinheiro hoje empregado para atrair o voto do eleitor poderá, uma vez aprovada a mudança, ser bem investido na compra de um bom lugar na lista partidária. E com menos risco de a mutreta ser flagrada pela fiscalização. Eleições são processos públicos, regulados por legislação bastante rígida e acompanhados com lupa pela Justiça Eleitoral. Já a escolha dos dirigentes partidários e das listas de candidatos é algo essencialmente da esfera privada de cada legenda.

Os defensores da lista fechada combinada ao financiamento exclusivamente público sonham com o melhor dos mundos, para eles próprios: uma política garantida por verba estatal, mas fora do controle legal do Estado. Um faroeste caboclo. A verba pública garantirá o traço caboclo. Já o faroeste ficará por conta de cada agremiação. Critério de formação da lista? Ora, o que for mais conveniente para os caciques. Prazo de filiação partidária para que o membro possa participar de uma eventual consulta? Bem, vai depender de quem ganha e quem perde com a definição de tal ou qual data. E por aí vai.

Faça o teste. Proponha a um defensor da lista fechada e do financiamento exclusivamente público algumas coisas. Por exemplo, que a lei regule a forma de produzir as listas partidárias ordenadas. Proponha eleições internas obrigatórias, feitas e fiscalizadas pela Justiça Eleitoral. E com a participação de todos os eleitores que desejem se filiar ao partido, sem vetos. Proponha também que a lei impeça dirigentes partidários de intervir nos diretórios municipais e estaduais. Sugira ainda que a regra proíba o partido de apresentar candidato onde tiver só comissão provisória, e não diretório democraticamente eleito.

Estou sugerindo que você faça o teste porque eu já fiz. A resposta que colhi foi sempre a mesma: essas coisas não fazem sentido, pois os partidos devem ter liberdade para se organizar da maneira que quiserem. É um argumento bonito, mas furado. Não dá para falar em partidos como entidades ¿privadas¿ quando eles sobrevivem graças ao dinheiro público. No Brasil, os partidos são 100% da esfera estatal, até porque é obrigatório pertencer a um deles para disputar eleição. Não há entre nós a possibilidade de candidaturas independentes.

Proponha mais. Sugira que os atuais deputados federais não tenham lugar garantido na cabeça da lista na primeira eleição pelo novo sistema. É isso mesmo que você está percebendo. A Câmara dos Deputados quer incluir no debate a proposta de uma regra de transição, para que suas excelências estejam obrigatoriamente no topo da chapa, possivelmente pela ordem dos votos recebidos na última eleição. Na prática, uma prorrogação de mandatos. É o doce que os defensores da reforma oferecem à massa dos deputados que não controlam a máquina partidária em seu estado.