Título: Pesquisa: 70% de mulheres que abortam têm filhos
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 02/05/2008, O País, p. 13
Estudo da UnB e da Uerj mostra que método foi usado por católicas entre 20 e 25 anos, com estudo e relacionamento estável.
BRASÍLIA. Estudo realizado pelas universidades de Brasília (UnB) e Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) indica que pelo menos 70% de todas as mulheres brasileiras que fizeram aborto já tinham ao menos um filho e, na maioria dos casos, decidiram interromper a gravidez planejadamente porque os métodos contraceptivos falharam ou não foram usados corretamente. A pesquisa diz que 3,7 milhões de mulheres em idade fértil (entre 15 e 49 anos) já abortaram.
O estudo organizou os dados produzidos sobre o tema no país nos últimos 20 anos. E permitiu aos pesquisadores traçar um perfil surpreendente da mulher que recorre ao aborto: além de já terem ao menos um filho, possuem relacionamento estável, têm entre 20 e 29 anos, até oito anos de estudo, trabalham e são católicas. Além disso, abandonaram as clínicas clandestinas e aderiram a medicamentos como o cytotec, que induzem ao aborto e podem causar danos à saúde.
Para uma das coordenadoras da pesquisa, a antropóloga e professora da UnB Debora Diniz, as conclusões exigem que o debate se desloque do campo religioso para o da saúde pública:
- Ao contrário do que muitos ainda acreditam, a decisão pelo aborto é um ato pensado, de responsabilidade reprodutiva. Estamos falando de mulheres com filhos, que já tiveram a experiência da maternidade, sabem o que é a gravidez e o que é ter um filho. Em termos muito simples, uma em cada 15 mulheres fez aborto. A pergunta é: vamos botar todas na cadeia?
Abortos na adolescência são de 7% a 9% do total
Nas pesquisas citadas no estudo, o percentual de mulheres que não tinham filhos quando abortaram variou de 9,5% a 29,2%. Mais da metade das mulheres das regiões Sul e Sudeste declararam usar contraceptivos, a maioria a pílula.
Entre as adolescentes que interromperam a gravidez, mais de dois terços têm entre 17 e 19 anos. Os abortos na adolescência representam entre 7% e 9% do total das interrupções de gestação por mulheres em idade reprodutiva. A maior parte deles aconteceu em relacionamentos conjugais estabelecidos. A gravidez decorrente de um relacionamento eventual aconteceu em apenas 2,5% dos casos. O estudo derruba outros mitos.
- Há muitas incompreensões sobre o aborto sem qualquer base científica. Por exemplo: nenhum estudo que analisamos mostra que as mulheres se arrependem depois de realizar o aborto - diz Debora.
As consultas realizadas nos anos 90 e 2000 mostram que entre 50% e 84% das mulheres que abortaram usaram medicamentos como o cytotec. Em meados dos anos 80, esse método era usado entre 10% e 15% das mulheres. Métodos encontrados nessa época, como venenos e injeções, passaram a ser inexpressivos a partir da década de 90.
Estimativas a partir de internações por abortamento registradas no Sistema Único de Saúde (SUS) permitem dizer que, em 2005, foram realizados mais de 1,5 milhão de abortos. As mulheres que finalizam o aborto induzido nos hospitais, buscam o atendimento nas primeiras 24 horas pós-uso do medicamento. Na maioria dos casos (entre 70% e 79% dos casos), elas apresentam dores abdominais e sangramento. Entre 63% e 82% dos casos, as mulheres estavam com até 12 semanas de gestação.
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