Título: Legalização das drogas em debate na Rocinha
Autor: Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 02/05/2008, Rio, p. 16

Integrantes de comissão latino-americana discutem a questão durante churrasco na favela.

Um churrasco no terraço de um prédio de cinco andares na Favela da Rocinha reuniu seis membros da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, lançada anteontem. Eles se dividiram em relação ao tema da legalização das drogas. O encontro, que teve a participação de representantes do Viva Rio e líderes comunitários da Rocinha, do Pavão-Pavãozinho, do Cantagalo e da Ilha do Governador, foi marcado pelo debate sobre diversos tipos de violência relacionados ao tráfico.

Morador afirma que tráfico é feito pela elite

Os líderes comunitários participaram intensamente do debate, mediado pelo antropólogo Rubem César Fernandes, diretor-executivo do Viva Rio. Eles afirmam que o combate às drogas em áreas pobres não é igual ao feito em regiões com maior poder econômico. O antropólogo usa o Posto Nove, na Praia de Ipanema, como exemplo.

¿ É um dos pontos de maior consumo de drogas e não é violento. Já em locais pobres, cria-se domínios paralelos armados, que se matam e crescem numa violência que desarticula a segurança pública ¿ afirma Rubem César.

O jornalista Carlos Costa, integrante da ONG Rocinha XXI e morador da comunidade, afirma que o tráfico é feito pela elite e a favela apenas o transforma em varejo:

¿ O principal crime não está na favela. Crime mesmo é deixa armas e drogas chegarem às comunidades.

Os integrantes da comissão tinham como objetivo conhecer de perto a realidade de uma área conflagrada, marcada pelo domínio do tráfico. O churrasco teve drogas lícitas. Muitos fumavam cigarros e bebiam cerveja ou caipirinha, que costuma fazer sucesso entre os estrangeiros.

Após o debate sobre violência, o holandês Martin Jelsman, especialista em drogas do Transnational Institute, organização internacional baseada na Holanda, defendeu a adoção do modelo de seu país como uma forma de diminuir a incidência de crimes na cidade. Ele acredita que, com a regulação do mercado de maconha, ela se distanciaria dos pontos de venda de cocaína e outras drogas mais pesadas, diminuindo o número de pessoas que passam a usar substâncias mais nocivas, e o tráfico de drogas diminuiria seu faturamento:

¿ Não gosto da palavra legalização, porque as pessoas associam à idéia de acesso irrestrito, e eu acho que um certo controle é necessário. Mas o estado teria o controle da produção e distribuição, tirando dinheiro do mercado negro. Teria mais controle de qualidade e administrativo, como não vender maconha para menores de 18 anos.

Segundo Martin, não há uma legalização total na Holanda. Ele afirma que a experiência no país mostra que esse tipo de liberação não aumenta o consumo. O número de usuários na Holanda seria parecido com o de Alemanha, Bélgica e França, e inferior ao do Reino Unido e dos Estados Unidos.

Americano: é preciso escolher entre um problema e outro

O especialista em combate às drogas nos EUA Peter Reuter concorda que a repressão não afasta os jovens das drogas. Ele defende alternativas econômicas, mas, diferentemente de Martins Jelsman, é receoso em relação à liberação. O especialista acredita que a questão é escolher qual problema se quer ter no país:

¿ A legalização muda o problema. Haveria menos crimes e doenças relacionados às drogas, mas teria mais usuários e viciados. Você escolhe seu problema. Não se pode prever qual seria o aumento no consumo. O número de viciados em cocaína, por exemplo, poderia aumentar duas ou cinco vezes. É difícil ter uma opinião formada. É difícil fazer a escolha.

Já a juíza Patricia Llerena, membro da Comissão argentina de Análises de Políticas de Drogas, que está revisando a legislação no país, é totalmente contra a legalização da maconha. Segundo ela, o problema não seria resolvido e o acesso a um tipo de droga seria facilitado. A juíza considera incoerente liberar o uso de uma substância e manter outras na ilegalidade.