Título: Santa Cruz dividida
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 02/05/2008, O Mundo, p. 30

Dia do Trabalho tem manifestações favoráveis e contrárias à autonomia do departamento.

Acidade mais rica da Bolívia não tem tradição de protestos no 1º de Maio. Ontem, no entanto, Santa Cruz de La Sierra se dividiu em duas importantes manifestações. Apoiados por fazendeiros e empresários, camponeses brancos e guaranis marcharam por várias ruas em apoio ao "sim" no referendo pela autonomia, previsto para domingo, enquanto os grupos aliados do presidente Evo Morales, com o apoio de esquerdistas de oposição, pregavam o boicote ao referendo, em atos no centro e na periferia da cidade, aos gritos de "no pasarán". Grupos mais radicais, como a União Juvenil Cruzenha (UJC), que defende a autonomia, e organizações ligadas à Central Operária Departamental (COD), contrários a ela, participaram dos protestos, aumentando a tensão e dando força ao fantasma da violência que paira sobre a votação.

- Não tenho partido e sou pobre, mas defendo o "sim" porque nossa região é a mais rica, mas precisa mendigar estradas, saúde, educação. O governo central não distribui os benefícios com justiça. Com a autonomia, o dinheiro arrecadado ficará no distrito - explicava um dos manifestantes, Juan Ribeiro, enquanto caminhava com a bandeira da autonomia.

Em outro setor do centro da cidade, a COD manifestava outro tipo de pensamento.

- A autonomia é uma desculpa para que os ricos concentrem ainda mais dinheiro. Não apoio o governo, porque desde 2003 (com os confrontos violentos devido ao gás, que deixou cerca de 80 mortos na Bolívia) o povo está sem direção política. Mas a autonomia é uma mentira dos ricos e só piorará a nossa pobreza - afirmou José Luiz Jofre.

Evo Morales espera baixa participação no referendo

Não houve registro de violência até o início da noite, mas o fantasma de choques entre partidários e opositores da autonomia continua assombrando Santa Cruz. Os grupos garantiam o tempo todo que não pretendem ser violentos antes ou durante a votação, mas afirmavam que não aceitariam provocações do campo oposto.

Está em jogo no referendo de domingo uma das principais promessas de governo de Evo Morales: a reforma agrária. Do total de 37 milhões de hectares de terras do distrito de Santa Cruz, 73% estão nas mãos de grandes e médios proprietários. Os indígenas têm 17% e os agricultores familiares detêm somente 7%.

Depois do referendo de Santa Cruz será a vez de os departamentos (províncias) de Pando, Tarija e Beni lançarem os seus, já marcados para junho. Os quatro departamentos, da chamada região da Meia Lua, são responsáveis pelas principais riquezas do país, como gás, petróleo e também pelas grandes plantações.

O governo de Morales denunciou os movimentos pró-autonomia internacionalmente, acusando-os de serem separatistas e ilegais. Caso a autonomia seja aprovada pela maioria, terá inicio um processo de pelo menos três meses para que o governo de Santa Cruz tente implementá-la oficialmente. Pelo estatuto da autonomia, o departamento controlaria a propriedade agrária, o recolhimento de impostos, e até firmaria convênios internacionais.

Como não serão reconhecidos pelo governo central, há a possibilidade de os autonomistas ampliarem seus protestos, ocupando prédios oficiais e cortando definitivamente relações com La Paz. Caso o referendo de Santa Cruz tenha pouca participação, Morales sairá vitorioso politicamente e ganhará força para impulsionar sua campanha pela aprovação de uma nova Constituição, que será levada a referendo nacional.