Título: Bombas no paiol
Autor: Aleluia, José Carlos
Fonte: O Globo, 05/05/2008, Opinião, p. 7

O crescimento da renda nacional resulta de um forte favorecimento advindo do setor externo e de uma política monetária austera, a partir da segunda metade dos anos 1990, que aplainou o cenário da inflação e permitiu a expansão do crédito interno.

Apresento, sem medo ou agressividade, fatos e números que demonstram que a realidade triunfalista insuflada pela propaganda do governo é apenas propaganda, mesmo. Não é verdade que estejamos vivendo um processo estável de desenvolvimento e distribuição de riqueza. Muito menos, Lula está consolidando um modelo econômico que alcançará resultados "nunca, jamais, em tempo algum" atingidos.

A inflação incidente sobre os mais pobres, medida pelo INPC, fechou o ano passado em 5,16%. Em março, a taxa para os últimos 12 meses já se situava em 5,5%, um ponto percentual acima da meta. Nesse quadro, as expectativas são no sentido de um prolongado período de ascensão da taxa de juros básica já iniciado, que passarão de 11,25% ao ano para 13% ou mais.

Houve algum crescimento econômico nos últimos tempos. Mas a qualidade da política que conduziu esse aumento é responsável pela reversão que já se delineia. Os empregos gerados não têm perspectiva de carreira e são de baixa remuneração; os empregos mais bem pagos desapareceram; a taxa de inflação começa a se elevar e a taxa de juros, repito, já está subindo. Esse caminho já se conhece. Agora há um agravante. As famílias que sofrerão o impacto da queda no nível de atividade estão muito mais endividadas, o que pode amplificar a crise. No horizonte, há vultosos "projetos de elevação da despesa pública" que pressionarão a inflação, aprofundando o círculo vicioso da inflação-juros-recessão.

A economia de um país está equilibrada quando as taxas de crescimento, de inflação e de juros são equivalentes àquelas que prevalecem nas principais economias do mundo. Nesse sentido, o governo Lula fez a renda crescer em meio a um grave desequilíbrio, o que se constata com o fato de a taxa de juros, em nenhum momento, ficar abaixo dos 11,25%, enquanto em âmbito internacional corria em 4% ao ano.

Por que a taxa de juros precisou ficar elevada? Para retirar alguns investidores e consumidores do mercado, abrindo espaço para que o governo da União pudesse consumir, sem agredir a taxa de inflação. Afinal, o governo federal aumentou acentuadamente suas despesas correntes (aquelas que não incluem investimento), competindo com as famílias e as empresas.

Os gastos mensais do segundo semestre foram 9,3% superiores àqueles do primeiro, enquanto as "Demais Despesas" (o item que revela os gastos perdulários) de R$11 bilhões por mês, média no segundo semestre, aumentaram fabulosos 71,4%.

Essa farra estimula iniciativas no Congresso Nacional que constituem verdadeiras bombas no paiol, na promoção das despesas públicas, todas alimentadas pela idéia do "liberou geral" da propaganda oficial.

É o caso da ampliação das despesas com benefícios previdenciários, bem como a de extensão do conceito de estabilidade funcional dos servidores públicos aos servidores requisitados, da maior autonomia das Defensorias Públicas transformadas à imagem e semelhança dos Ministérios Públicos, e da reforma do sistema de representatividade municipal, com elevação do número de vereadores no país de 51.875 para 59.514.

O deputado Vitor Penido, do Democratas, propôs a redução de 1.271 vereadores, em vez do aumento, mas a tendência é para aprovação do aumento do número de vereadores, naturalmente com a dilatação da percentagem das despesas legislativas sobre o total das receitas líquidas municipais.

O Senado acaba de aprovar o projeto de lei nº 296, eliminando o fator previdenciário, o que impacta os custos para a Previdência Social. Essa modificação permitirá que as concessões de aposentadorias sejam antecipadas e o tempo de contribuição reduzido. Estima-se que venha a ocorrer um aumento mais acentuado no fluxo de novos benefícios, nos primeiros dois anos, mas que, no geral, o impacto, comparativamente ao quadro sem alteração, seja entre 15% e 20% no número de novos aposentados.

Para um governo que passou os últimos cinco anos se utilizando do clientelismo para navegar o oportunismo, sem se preocupar com o investimento público, não surpreende que o bem-estar da sociedade esteja sob sério risco.

São assim os castelos de areia, sejam ingênuas construções infantis na praia, sejam golpes de populismo político.

JOSÉ CARLOS ALELUIA é deputado federal (DEM-BA).