Título: Juros e urros
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 06/05/2008, Opinião, p. 7

No mês passado, os juros subiram no Brasil após quase três anos de quedas. Seguiram-se uma enxurrada de críticas, descontentamento político e sugestão de políticas alternativas para a economia. A exceção foi a agência de classificação de risco Standard & Poor"s, que elogiou a decisão no relatório que acompanhou a promoção do Brasil a grau de investimento. Em geral, ninguém gosta de juros mais altos, pois encarece o crédito, freia o consumo e amortece o crescimento da renda e do emprego. Muito menos quando tudo parece caminhar na mais perfeita ordem, economia crescendo forte e popularidade em alta. No país do "jeitinho", onde a flexibilidade e o combate às regras são vistos como trunfo, o aumento de juros sinaliza limite e incomoda muito. Mas há, de fato, ameaça inflacionária no Brasil?

Há riscos sim, houve aumento de inflação nos últimos tempos, mas, até agora, felizmente, nada do outro mundo. Vamos aos números. Nos primeiros meses do ano passado, a inflação chegou ao seu menor nível dos últimos dez anos, atingindo o piso de 3% (no acumulado dos últimos doze meses). A partir de então, a inflação tem subido continuamente e atingiu 4,7% no mês passado, o que preocupou menos pelo nível e mais pela tendência. Recentemente, há risco de a inflação continuar a subir. A perspectiva é que ela fique em torno de 5%, até o final do ano. Os aumentos recordes das commodities no mundo, neste começo de ano, e o aquecimento da economia põem riscos para cima nessa projeção. Não é certo que a inflação piore, mas com a inflação corrente subindo e os riscos em alta, o BC optou por agir cedo, antes que a inflação atinja patamares mais elevados e o obrigue a ser mais duro.

Há várias críticas ao aumento de juros. Uma delas é que o aumento recente de inflação é conseqüência da inflação de alimentos, um fenômeno mundial, e o BC brasileiro não teria nada a fazer contra isso. Na verdade, nem a inflação se restringe a alimentos, nem o combate à inflação deve ignorar o que vem de fora. Por exemplo, a inflação de serviços no Brasil, menos relacionada às condições externas, tem rodado acima de 5%. E a economia aquecida tem evidenciado gargalos que podem, a qualquer momento, gerar pressões de aumentos de preços. Mesmo a inflação de alimentos não deve ser ignorada. Ela pesa no bolso do cidadão e pode desencadear pedidos para aumentos salariais compensatórios, facilmente conseguidos nesse ambiente de desemprego em queda, o que aumentaria os custos das empresas, incentivaria ainda mais o consumo e pressionaria a inflação. Uma espiral salários-preços acabaria sendo prejudicial para todos, em especial aos mais pobres, como é de memória dos brasileiros. Interromper essa possível espiral, evitando a contaminação para outros preços dessa inflação global, além de contribuir para que parte dos aumentos de insumos lá fora não seja repassado integralmente, é um objetivo relevante do Banco Central.

É surpreendente que a crítica às medidas de combate à inflação seja mais intensa que a crítica às políticas que as geram. Uma parte dos riscos inflacionários do crescimento atual vem de uma combinação das seguintes políticas: (1) o aumento dos gastos públicos, cada vez mais fora do controle, tem utilizado recursos preciosos da economia que poderiam atender às demandas do setor privado; (2) a lentidão e a incapacidade de o governo prover em tempo hábil os bens públicos necessários à expansão da produção, como portos, estradas, energia, sem falar em educação básica; (3) a criação de monopólios (ou oligopólios concentrados) em indústrias por razões nacionalistas, que significam maior poder de fixar preços acima do que os consumidores teriam sob concorrência; e (4) política externa que, por razões "estratégicas", permite que aliados reneguem acordos anteriores na área de energia (Bolívia e Argentina, e, no futuro próximo, o Paraguai).

Em suma, os juros mais altos sinalizam o risco inflacionário da conjuntura atual, os urros a revolta contra os sintomas, mas não as causas desses riscos, e a promoção do Brasil pela S&P, em parte, a recompensa por não ceder a essa revolta fora de foco.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC-Rio. E-mail: goldfajn@uol.com.br.