Título: Fazendeiro acusado de matar Dorothy é absolvido
Autor: Brasiliense, Ronaldo
Fonte: O Globo, 07/05/2008, O País, p. 5

CONFRONTO NA AMAZÔNIA: Pistoleiro muda depoimento e isenta outro acusado, passando a assumir culpa sozinho

Novo julgamento livra Bida, antes condenado a 30 anos como mandante, e aumenta pena do autor dos disparos

BELÉM O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida - que num primeiro julgamento havia sido condenado a 30 anos, como mandante do assassinato da missionária americana Dorothy Stang - foi absolvido ontem, após dois dias de novo julgamento no Pará. O agricultor Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, réu confesso do crime, foi condenado a 28 anos de reclusão. No primeiro julgamento, ele recebera a pena de 27 anos de prisão.

O Conselho de Sentença da 2ª Vara de Júri de Belém absolveu Bida por maioria dos votos (5 a 2) da acusação de co-autoria pelo homicídio qualificado contra a missionária. Os advogados de Bida, Eduardo Imbiriba e Paulo Dias, argumentaram que o assassinato da missionária foi um ato isolado, praticado por Rayfran. Ao contrário do primeiro julgamento, os jurados, em sua maioria, desta vez rejeitaram a tese de que o crime foi praticado mediante promessa de recompensa.

Pistoleiro agora nega que arma fosse do fazendeiro

O promotor Edson Souza disse que vai decidir, "dentro do prazo legal" de cinco dias, se recorre da sentença. Da tribuna, Souza declarou que "o estado democrático é assim e que nós devemos respeitar a decisão do Conselho de Sentença". Souza pediu que os presentes insatisfeitos com a decisão usassem os meios legais para recorrer e que não hostilizassem os jurados. Como Bida tinha sido condenado a mais de 20 anos, teve direito ao novo julgamento.

Segundo os advogados que acompanharam o julgamento, o novo depoimento de Rayfran foi decisivo para a absolvição de Bida. O pistoleiro negou que o fazendeiro tivesse fornecido a arma para a execução do crime. Em seu novo depoimento, Rayfran disse que a morte da religiosa deveu-se exclusivamente a uma decisão sua. A reviravolta na sentença do tribunal do júri causou tumulto na platéia, formada por advogados, estudantes e militantes de grupos de defesa dos direitos humanos, obrigando o juiz Raimundo Alves Flexa a interromper as declarações finais por duas vezes para pedir silêncio.

Durante a fase de debates, o advogado de Bida, Eduardo Imbiriba, afirmou que não existiam provas concretas no processo que incriminassem o fazendeiro. E contestou as alegações do promotor, de que o inquérito policial deixava claro que o mandante do assassinato tinha sido o fazendeiro.

Defesa argumenta pressão da missionária e de colonos

Segundo o advogado de Bida, a promotoria sustentou a acusação explicando aos jurados as contradições e acareamentos do inquérito policial, o que não comprovam o envolvimento de Bida no crime. Já a defensora Marilda Cantal procurou convencer os jurados de que o crime não foi por encomenda e que Rayfran só atirou em Dorothy porque se sentia pressionado pela missionária e pelos colonos que a vítima apoiava, no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que ela apoiava em Anapu, região da Transamazônica.

Em sua argumentação, Marilda disse que Rayfran praticou apenas um crime de natureza simples, cuja pena é de seis a 20 anos de prisão. Para reforçar a tese, ela tentou mostrar que a missionária não era só "uma velhinha que ajudava colonos", mas uma liderança que estimulava invasões de terras, incitando colonos à pratica de esbulho possessório.

No segundo dia do julgamento, o promotor Edson Souza usou a tribuna por uma hora e meia para sustentar a acusação do homicídio qualificado para Rayfran, com uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima e que o crime foi praticado mediante promessa de pagamento por Bida. Mas, desta vez, não convenceu os jurados, que absolveram o fazendeiro.