Título: Resolveram municipalizar o BNDES
Autor: Gaspari, Elio
Fonte: O Globo, 07/05/2008, Opinião, p. 7

Oque há de errado na seguinte notícia, decorrente da assinatura, no dia 5 de dezembro do ano passado, na prefeitura de Praia Grande (SP), de um contrato de financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social?

¿Ao visitar os locais, o diretor do BNDES, Élvio Gaspar, disse: `É impressionante como a vida das pessoas vai mudar com as obras. Isso mostra que a sociedade brasileira ainda tem muito o que avançar. (...) O que o prefeito está fazendo aqui é espetacular e vai trazer para Praia Grande melhor qualidade de vida¿.¿

Diretor do BNDES não deveria sair por aí fazendo discursos em celebrações municipais. Muito menos quando o presidente da República já festejou a mesma iniciativa seis meses antes, no Palácio dos Bandeirantes. O doutor Gaspar pode fazer o que bem entende, mas o empréstimo de Praia Grande está congelado, por conta de uma diligência da Polícia Federal em cima de pilantras, propinas e prostíbulos. Eram R$124 milhões que em tese beneficiariam 45 mil pessoas, mas, na prática, até agora só beneficiaram uma meia dúzia, com comissões estimadas em R$5 milhões.

Dias depois da chegada da Polícia Federal ao mafuá, o presidente do BNDES, professor Luciano Coutinho, aconselhou os empresários a dispensar atravessadores em suas negociações com o banco: ¿Ele vai ter que pagar pelo total do empréstimo. O banco não vai perder, quem vai perder é o mutuário, o cliente.¿ Antes fosse. No caso de empréstimos municipais drenados por espertalhões, quem perde é a patuléia, e só ela. Coutinho conhece o mundo real e sabe que é mais fácil um empresário acreditar na autenticidade da bolsa Vuitton de camelô do Largo da Carioca do que oferecer capilé a intermediário pela simples vontade de ser mordido. É justo que Coutinho queira desestimular distribuidores de propinas, mas não fica bem o diretor de Inclusão Social e Crédito do BNDES descer em Praia Grande para elogiar as virtudes de um alcaide ¿espetacular¿.

O BNDES abriga poderosos diretores que vão de casa para o trabalho e do trabalho para casa. A tradição lhes ensina a buscar na impessoalidade a proteção contra a municipalização de suas tarefas. O doutor Gaspar não veio da burocracia do banco. Fez carreira federal no sereno comissariado petista do Rio de Janeiro. Representou sua nação no governo de Anthony Garotinho e, posteriormente, incluiu-se nas cercanias do professor Guido Mantega.

Até agora a Polícia Federal não encontrou sinais de cumplicidade de funcionários executivos do BNDES com o mafuá municipal. Isso significa que os processos tramitaram de acordo com as normas e, mesmo tendo havido algum superdimensionamento de despesas, o empreiteiro pagou as lascas com o dinheiro que lhe coube. Se o concreto de uma vala terá mais areia e menos cimento, não há BNDES que possa fiscalizar. Essa modalidade de maracutaia é uma espécie de mosquito que prolifera em prefeituras que precisam de obras e são visitadas por empreiteiros que colecionam amigos.

A cultura do BNDES preserva a tradição das ¿muralhas¿. O pessoal que analisa projeto não discute o empréstimo. Tudo bem. Poderiam erguer um tabique: diretor do banco não participa, fora da sede, de eventos relacionados com os empréstimos que sua área concede.

ELIO GASPARI é jornalista.

Quando um diretor de banco vai a uma festa de empréstimo, errou de festa ou de empréstimo