Título: Grau de investimento: afinal, de quem é o filho?
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 07/05/2008, Economia, p. 23

Anúncio gera onda de ciúmes entre integrantes da Fazenda e do BC, que disputam quem fez mais para obter título

BRASÍLIA. O tão esperado grau de investimento, concedido ao Brasil pela agência de classificação de risco Standard & Poor"s, está provocando uma verdadeira crise de ciúmes nos bastidores da equipe econômica. Enquanto o Banco Central (BC) faz questão de ressaltar o peso da política monetária na decisão da agência, o Ministério da Fazenda diz que a melhora da nota brasileira só veio depois que o governo fez avanços na política fiscal, com redução dos gastos públicos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e obtenção de superávit primário elevado. Sobram farpas.

A ansiedade para assumir a paternidade do grau de investimento pôde ser vista no dia em que a decisão foi anunciada. Logo após a elevação da nota, o presidente do BC, Henrique Meirelles, que não estava em Brasília, fez questão de convocar uma videoconferência. Ministro da Fazenda, Guido Mantega, que estava evitando a imprensa, chamou uma coletiva para fazer as honras em nome do governo.

Na mesma noite, Meirelles, cujo discurso atribui a reclassificação-surpresa à estabilidade de longo prazo do país (que teria por trás a política de juros que manteve domada a inflação) foi novamente à TV comemorar - "sem ao menos citar o presidente Lula", alfineta uma fonte da Fazenda - e voltou no dia seguinte de manhã aos telejornais para falar sobre o mesmo assunto e depois falou para a TV a cabo.

- Meirelles estava todo cheio de si na TV - disse uma fonte. - Ele quer a todo custo assumir a paternidade do grau de investimento.

Ontem, o secretário de Política Econômica, Bernard Appy, aproveitou um seminário internacional para fazer a primeira defesa pública da Fazenda: negou a deterioração fiscal e a contribuição só do BC às boas novas. Para ele, não se pode dizer que a obtenção do grau de investimento foi resultado apenas da política monetária e que a área fiscal deixa a desejar. Appy defendeu que a decisão da S&P foi baseada no sucesso de ambas.

- Vejo muito mais na imprensa do que no governo essa diferenciação entre política monetária e política fiscal. As duas foram importantes para o grau de investimento - disse Appy.

Segundo fontes da Fazenda, o trabalho do BC, que comanda os juros e tem mais visibilidade no manejo das reservas internacionais de quase US$200 bilhões, foi importante para o grau de investimento. Mas a nota só veio depois de divulgados os dados fiscais do primeiro trimestre, em que as despesas correntes caíram 3,7% em relação ao PIB, enquanto os investimentos subiram 21%.

Além disso, houve superávit nominal trimestral pela primeira vez na história, de R$3 bilhões - ou seja, sobrou troco mesmo após pagos os juros da dívida pública no período.

- A política monetária é a mesma há muito tempo. O rating só saiu depois que saíram as estatísticas fiscais - gaba-se um interlocutor de Mantega.

No BC, a avaliação é de que a política fiscal é expansionista e perigosa, pois impede queda mais forte da relação entre dívida e PIB e, pior, ajuda a atear fogo na fogueira da inflação - que, aliás, a Fazenda diz não existir.

Ontem, Mantega afirmou que a nova nota do Brasil vai aumentar o investimento direto, as aplicações em Bolsa e em novas ações de empresas que estão abrindo capital, o que barateia o custo dos financiamentos. Segundo ele, os empresários terão acesso a dinheiro mais barato para produzir com menos custos. Ele descartou a hipótese de uma enxurrada de capital especulativo:

- Nós já instituímos um IOF para a entrada de capital de curto prazo no país. Além disso, o grau de investimento já tinha chegado ao Brasil antes do anúncio - disse.