Título: Mianmar dificulta acesso a vítimas de ciclone
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Fonte: O Globo, 07/05/2008, O Mundo, p. 30

Mortos podem passar de 60 mil e desabrigados chegariam a 1 milhão; ajuda internacional esbarra no controle do regime

RANGUN. O governo de Mianmar divulgou ontem que o número oficial de mortos em decorrência do ciclone tropical Nargis, que devastou parte do país, é de 22 mil, com outros 41 mil desaparecidos. Organizações internacionais de assistência, no entanto, já afirmam que o número de vítimas fatais pode ultrapassar 60 mil. ONGs e governos de todo o mundo se mobilizam para enviar ajuda, mas fazem duras críticas ao fechado regime do país, acusando a junta militar de dificultar a entrada de voluntários, alimentos e remédios. Estima-se que cerca de um milhão de pessoas estejam desabrigadas em todo o país.

O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, pediu ontem que o governo autorize a entrada de equipes americanas de resposta a desastres, por enquanto mantidas afastadas pela junta militar, e disse que seu país está pronto a ¿fazer muito mais¿ para auxiliar as vítimas.

¿ Nossa mensagem é dirigida aos líderes militares: permitam que os EUA entrem para ajudá-los, para ajudar o seu povo ¿ disse Bush, que pretende enviar uma ajuda de US$3 milhões.

Subida rápida de maré matou 10 mil em Bogalay

O governo de Mianmar ¿ que desde 1962 está sob regime militar ¿ é alvo de sanções impostas pelos EUA e pela União Européia por violações dos direitos humanos. A junta que governa o país é conhecida pela repressão e pelo controle de informações que transformaram Mianmar em um dos países mais fechados do mundo.

Diante da calamidade, no entanto, o governo se sentiu pressionado a pedir ajuda internacional, apesar de esta estar chegando de forma controlada. A ONU e os Médicos Sem Fronteiras dizem que estão sendo impedidos de enviar ajuda para o interior do país e que, por enquanto, só conseguem atuar em Rangun. O governo também é acusado de não ter avisado a população a tempo sobre a chegada do ciclone, apesar dos alertas internacionais emitidos com antecedência.

Segundo o representante da ONU para resposta a desastres, Richard Horsey, centenas de milhares de pessoas precisam de abrigo e água potável.

¿ É impossível dimensionar essa tragédia com precisão, pois temos muitas dificuldades para chegar a locais mais distantes e para conseguir informações do governo ¿ disse.

Uma das regiões mais críticas é a cidade de Bogalay, no delta do Rio Irrawaddy, onde estimam-se cerca de 10 mil mortes. Na maior parte do país, o alto número de vítimas se deveu mais à subida muito rápida das marés (por causa da tempestade) do que pelos efeitos diretos dos ventos, que chegaram a 240 quilômetros por hora.

¿ A maré alcançou rapidamente 3,5 metros de altura e inundou metade das casas dos vilarejos que ficam no nível do mar em Bogolay. Acreditamos que mais de 95% das casas foram completamente destruídas. As pessoas não tiveram para onde fugir ¿ disse o ministro para Reassentamento, Maung Maung Swe.

Além dos EUA, da ONU e de organizações internacionais, Índia, Tailândia, Austrália e União Européia já anunciaram que pretendem enviar ajuda caso tenham permissão do governo.

Cinco regiões de Mianmar foram declaradas zonas de emergência após o desastre. O Nargis já é considerado o ciclone mais devastador desde 1991, quando um fenômeno semelhante açoitou a costa de Bangladesh, deixando 143 mil mortos. Em 1999, outro violento ciclone atingiu a Índia e matou 10 mil pessoas.

Referendo é suspenso apenas nas áreas mais atingidas

Por causa do desastre, a junta militar decidiu adiar para 24 de maio um referendo sobre a nova Constituição do país nas áreas mais atingidas de Rangun e do vasto delta do Irrawaddy. De acordo com a TV estatal, no resto do país o referendo está mantido para o dia 10. O objetivo da votação é aprovar um ¿mapa para a democracia¿, muito criticado nos países ocidentais, especialmente depois da sangrenta repressão a uma rebelião liderada por monges budistas em setembro passado.

A Embaixada de Mianmar em Brasília está recebendo doações para as vítimas do ciclone. Serão enviados roupas, tendas, remédios, alimentos e dinheiro. O Itamaraty informou que o Brasil sente pela tragédia e que estuda formas de ajudar o país.