Título: Cerco aos candidatos fichados
Autor: Brígido, Carolina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 11/05/2008, O País, p. 3

Dos 27 TREs do país, 17 são contra candidatura de quem responda a processo judicial

AJustiça Eleitoral está unida para barrar, nas eleições municipais deste ano, a candidatura de políticos com a ficha suja. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que presidentes de 17 dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) defendem que pessoas com muitos processos judiciais sejam impedidas de concorrer a cargos nas prefeituras e câmaras de vereadores. O movimento contraria a legislação brasileira, que só proíbe a candidatura de quem tem condenação final, mas a intenção dos dirigentes de tribunais é tentar separar o joio do trigo e dar ao eleitor melhores opções nas urnas - ou pelo menos alertá-los sobre candidatos-problema.

Os líderes do movimento pela moralização das candidaturas defendem mudança na Constituição, mas já antecipam que essa proposta dificilmente seria aprovada pelo Congresso, já que muitos deputados e senadores respondem a processos na Justiça. Cabe ao Judiciário, alegam alguns, fazer esse alerta nos estados.

Por outro lado, seis presidentes de TREs optam pela fidelidade ao texto da lei. Para eles, políticos que respondem a processos na Justiça podem participar das eleições de outubro - mesmo quem já foi condenado, mas ainda pode recorrer da sentença em instâncias superiores. Esses desembargadores são sensíveis à tese de extirpar os maus exemplos da vida pública, mas acreditam que somente uma mudança formal na legislação poderia permitir a eliminação de candidatos com a vida pregressa duvidosa.

Quatro presidentes de TREs não quiseram se posicionar sobre a polêmica neste momento. Preferem esperar o julgamento de um caso concreto para se manifestar publicamente.

- É preciso lei para ser honesto? Imagine uma coisa: a pessoa responde a dez processos por falcatruas, cheque sem fundo, mas ainda não tem condenação transitada em julgado. Pode até ser julgado inocente, mas a vida pregressa está comprometida neste momento. A gente torce para que a maioria dos juízes decida assim. Isso demonstrará a indignação do Judiciário - afirma o presidente do TRE de Pernambuco, desembargador Jovaldo Nunes.

Regra já vale para os funcionários públicos

Os adeptos da tese costumam recorrer ao argumento de que, para ser funcionário público, é necessário comprovar uma vida pregressa sem manchas. Eles questionam o motivo da mesma exigência não ser feita aos administradores públicos eleitos pelo povo.

- Qualquer trabalhador que queira entrar no serviço público tem que apresentar certidão negativa. Por que então essa discriminação, essa liberalidade com os políticos? O ideal seria aprovar uma nova lei. Mas será que o Congresso, com tantos membros respondendo a processos no Supremo, terá espírito estadista para mudar a lei? Não é crível - diz o presidente do TRE-DF, Estevam Maia.

- Sou absolutamente favorável a que uma pessoa sem bons antecedentes não possa se candidatar. Até nas empresas, para se admitir um empregado, ele não pode ter ficha suja. Chegou o momento de dar um basta a esta situação - concorda o presidente do TRE de Goiás, desembargador Vitor Barbosa Lenza.

Em abril, os presidentes dos TREs se reuniram em Natal (RN) e aprovaram uma carta sugerindo cautela na concessão do registro de candidatura a quem não tem bons antecedentes. Alguns tribunais foram adiante e enviaram comunicado com o mesmo teor aos juízes de primeira instância, que concedem os registros.

- Há um movimento político-institucional dos TREs para os juízes interpretarem a Constituição mais abertamente. Antes os juízes tinham posição mais passiva, hoje somos proativos para contribuir para o aprofundamento das instituições - afirma o desembargador Cláudio Santos, que comanda o colégio de presidentes dos TREs e o tribunal do Rio Grande do Norte.

Quem é contra o movimento defende que, para retirar da política brasileira os maus exemplos, seria necessária a aprovação de uma nova lei impedindo os registros de candidatos com ficha suja, ainda que não condenados em última instância. Ou, pelo menos, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprove essa orientação.

- É preciso mais rigor na apuração da vida pregressa dos candidatos. Mas não podemos ferir um direito constitucional que assegura presunção de inocência, até decisão definitiva que condene o cidadão. É um princípio sagrado e que deve ser respeitado - diz o presidente do TRE de Santa Catarina, João Eduardo Souza Varella.

A disposição dos TREs de barrar candidatos com ficha suja conta com o apoio da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

- Quem administra ou quer administrar o bem público precisa mostrar lisura e ética em suas ações - diz o presidente da OAB, Cezar Britto.