Título: Cidade fantasma
Autor: Mendes, Taís
Fonte: O Globo, 11/05/2008, Rio, p. 19

Sinduscon: êxodo deixou o Centro com 5 mil imóveis abandonados

Uma cidade fantasma cresce cada vez mais dentro do principal pólo de negócios do estado: o Centro. Um levantamento feito pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio (Sinduscon) revela que a região abriga cerca de cinco mil imóveis abandonados, resultado do êxodo de moradores ocorrido entre 1970 e 2003, quando o Centro perdeu 50% de seus habitantes, segundo dados do Censo. Repórteres do GLOBO visitaram 30 prédios esvaziados, no Centro e na Zona Portuária, e constataram o contraste entre a degradação e iniciativas que buscam revitalizar a região.

¿ Em 1970, os moradores dessa região eram em torno de 80 mil pessoas e, no ano de 2002, somavam pouco mais de 40 mil. Em menos de 33 anos, houve uma perda de 50% da população. E os imóveis, muitos preservados pelo poder público, permanecem vazios, invadidos ou subutilizados como depósitos e estacionamentos ¿ diz Jackson Pereira, presidente da Comissão de Revitalização de Imóveis do Sinduscon.

Foi o abandono da Rua dos Inválidos, onde morou 14 anos, que levou a jornalista Silvana Bomfim, de 41, a mudar-se para Santa Teresa com o filho Theo, de 6, em 2005.

¿ Eu adorava morar no Centro. Mas a região não oferece infra-estrutura. Em dias de chuva, por exemplo, era impossível sair de casa porque a rua alaga. A sujeira nas ruas também me afastou da região ¿ conta ela.

Outros tentam o movimento contrário, mas também enfrentam dificuldades.

¿ Os aluguéis são caros e os apartamentos, ruins, malconservados ¿ comenta o prestador de serviços da CET-Rio Marcelo dos Anjos, de 34 anos, morador de Bangu. ¿ O aluguel de um imóvel pequeno, de quarto e sala, custa até R$500.

Marcelo trabalha na Gamboa, região protegida por uma Área de Preservação do Ambiente Cultural (Apac), onde há uma concentração de sobrados abandonados. Para se ter uma idéia, apenas na Rua São Francisco da Prainha há pelo menos três. O restante está ocupado por depósitos de comerciantes da região. Perto dali, na Sacadura Cabral, sobrados restaurados foram transformados em estacionamentos.

O prédio número 139 da Rua Frei Caneca, na esquina com a Mem de Sá, mais parece um castelo abandonado. Reboco prestes a cair, adornos apodrecidos e paredes descascadas fizeram com que o imóvel fosse interditado pela Defesa Civil. Nem por isso, no entanto, deixou de ser invadido.

Na Lapa, o cenário não é diferente. Na região, que faz parte do Corredor Cultural, há prédios abandonados e invadidos. Alguns já tiveram dias de glória, como o casarão da Rua Visconde de Maranguape, ao lado da Sala Cecília Meireles. O imóvel é protegido, mas já perdeu muito da arquitetura francesa original, embora ainda guarde traços do estilo art déco. Lá funcionava um hotel onde ficavam hospedados senadores da República em visita ao Rio. Abandonado, ele foi invadido há mais de 40 anos. O dono do prédio entrou na Justiça com um pedido de reintegração de posse em 1982, mas, até hoje, não conseguiu reaver o imóvel. Em péssimo estado de conservação, o casarão serve de moradia a 72 famílias e, ao lado de um outro abandonado, forma grande contraste com o restaurado prédio vizinho do Museu da Imagem e do Som.

¿ Estima-se que cerca de 60 imóveis do Centro estejam invadidos ¿ diz Jackson Pereira.

Embora não haja um número oficial, muitos dos invadidos são prédios públicos. A prefeitura jé teve cinco imóveis nessa situação no Centro. Três deles na Praça Tiradentes, que já foram esvaziados, são tombados. A ocupação dos 12 andares de um imóvel do Incra na Rua Barão de São Félix já dura três anos. Os novos moradores chamam o edifício de Ocupação Chiquinha Gonzaga. São 64 famílias, cerca de 200 pessoas, instaladas num prédio desenhado originalmente para ser hotel, com 66 apartamentos.

Há também os imóveis subutilizados. No Passeio Público, o antigo Hotel Plaza, com oito mil metros quadrados de área construída, virou estacionamento. Palco de um dos cinemas mais tradicionais do Rio, o prédio foi adquirido pela Nigri Engenharia. O Plaza, desativado há quase 30 anos, ainda preserva o mármore e as pastilhas de sua construção original. São 11 andares de oito salas com escombros e infiltrações. A idéia da construtora é torná-lo um hotel diferenciado, que ofereça serviços modernos, mas com o glamour do passado.

Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Carlos Fernando Andrade diz que o processo de esvaziamento do Centro é conseqüência do baixo crescimento demográfico da cidade.

¿ Há três décadas, estamos em quase seis milhões de habitantes na cidade e não saímos disso. Temos dados de que ocorreu uma expansão grande na Zona Oeste, sem que houvesse uma demanda demográfica. E não foi só o Centro que perdeu população. Copacabana, por exemplo, tinha 240 mil pessoas nos anos 90. No Censo de 2000, constatou-se que essa população caiu para 160 mil. O Centro vive esse esvaziamento populacional e os prédios ficaram desocupados. Muito em função da tipologia dos casarões, que abrigavam famílias numerosas.

Para André Zambelli, secretário extraordinário de Promoção, Defesa, Desenvolvimento e Revitalização do Patrimônio e da Memória Histórico-Cultural do município, o levantamento do Sinduscon é exagerado.

¿ Mesmo considerando que muitos casarões se transformaram em estacionamentos ou depósitos, cinco mil é uma mancha muito grande. De qualquer maneira, há a necessidade de revitalizar o Centro e, na medida que a demanda surge, as solução também aparecem. Há interesse da prefeitura e do patrimônio em dar vida ao Centro, ocupando esses imóveis, preferencialmente os residenciais.

Uma das dificuldades é atrair empresários para o investimento. Levantamento feito pelo Sinduscon mostra que, dos 60 casarões à venda na 2ª Região Administrativa (Lapa, Cruz Vermelha e Bairro de Fátima), a maioria tem dívidas de IPTU ou problemas de titularidade.

¿ A idéia é conclamar os empresários a fazer moradias no Centro. É preciso cativar o empresário, e a prefeitura tem feito a sua parte, oferecendo isenção de impostos durante a obra e do IPTU quando o prédio é restaurado e preservado. Já é um grande avanço ¿ avalia Jackson Pereira. ¿ E uma coisa puxa a outra. A Rua do Lavradio, por exemplo, foi urbanizada pela prefeitura e os empresários acompanharam esse movimento.