Título: Muita terra, pouco alimento
Autor: Rodrigues, Luciana; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 11/05/2008, Economia, p. 37
SOB PRESSÃO
Brasil ainda tem o equivalente a uma França e Alemanha subaproveitado para agricultura
Enquanto o mundo acompanha assustado a disparada nos preços dos alimentos - que ameaça o combate à fome e provocou convulsões sociais em diferentes países -, as atenções se voltam cada vez mais para o Brasil. Segundo maior produtor de alimentos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, o Brasil é também a última grande fronteira agrícola disponível no planeta. Especialistas calculam que há entre 70 milhões e 100 milhões de hectares de terras agricultáveis hoje subaproveitadas no país. São, em sua maioria, pastagens degradadas ou destinadas à criação de gado de forma muito extensiva. E que não incluem a Amazônia, áreas de preservação do Cerrado ou a Mata Atlântica. É uma quantidade de terra maior que o território de França e Alemanha somados. E que supera em mais de 20 vezes o tamanho do Estado do Rio.
Mas este é um espaço que só pode ser ocupado com a agricultura após criação de infra-estrutura e aporte de investimentos disponíveis a longo prazo. De toda forma, está aqui, no Brasil, a única solução para ampliar, em larga escala, a oferta de alimentos no mundo e evitar altas adicionais de preços nas próximas décadas.
- À exceção do Brasil, nenhum outro país pode suprir área agrícola nessa magnitude. Na América Latina, há ainda alguma margem na Colômbia, porém em menor escala. Europa, China e Índia estão saturadas. A África, na sua parte central e ao sul, tem potencial agrícola, mas hoje esses países são importadores de alimentos devido a guerras, instabilidade política e ausência de uma infra-estrutura mínima - explica Anderson Galvão Gomes, da consultoria Céleres.
Nos EUA, a terra ainda disponível é considerada de risco ambiental, o que aumenta muito o custo de produção. A Austrália tem terra, mas pouquíssima água. Questão que ainda não aflige o Brasil: está aqui quase 13% de toda a água doce disponível no planeta.
Hoje o Brasil tem 64 milhões de hectares plantados, entre cultivos anuais e perenes. Gomes lembra que a fronteira de 100 milhões de hectares hoje subaproveitada equivale à metade da atual área destinada à pastagem. O Brasil tem um rebanho de 206 milhões de bovinos, ou pouco mais de uma cabeça de gado por hectare - enquanto há países com até seis cabeças por hectare. Ou seja, bastaria ser mais produtivo na pecuária para abrir espaço para a agricultura.
Solução a longo prazo para ampliar oferta
E o Brasil tem avançado sua agricultura a passos largos. De 1996 a 2006, o crescimento anual da produção brasileira ficou acima da média mundial: 4,1% e 0,8%, respectivamente. Mas, ainda que o Brasil seja a solução mais óbvia para a atual crise, há entraves à expansão agrícola, diz Mauro Lopes, especialista em agricultura da Fundação Getulio Vargas (FGV). O endividamento dos produtores chega a R$87 bilhões. E a infra-estrutura é precária:
- Se as condições das estradas brasileiras e do Porto de Santos melhorassem, os ganhos dos produtores seriam 15% superiores - afirma Lopes, acrescentando que, apesar da safra recorde de 142 milhões de toneladas para 2008, a agricultura ainda carece de tecnologia.
Na opinião do especialista da FGV, a expansão agrícola pode trazer, sim, devastação:
- Ameaça a Amazônia e Cerrado sempre haverá. O que mais poupa o meio ambiente é a tecnologia. Se produzíssemos a atual safra com os rendimentos de 1970, antes do avanço da Embrapa, seriam necessários mais 90 milhões de hectares. A tecnologia poupou o meio ambiente.
Geraldo Barros, coordenador científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, destaca que, mesmo com terra disponível fora de áreas que necessitam preservação ambiental (ele estima uma fronteira agrícola de 70 milhões a 90 milhões de hectares disponíveis), um avanço muito rápido da agricultura seria um risco ao meio ambiente. Ou seja, o Brasil é a solução, sim, mas a longo prazo:
- Não basta ter terra, tem que ter transporte, energia, trator. E, o mais importante, o Estado brasileiro não está equipado para proteger o meio ambiente em caso de expansão acelerada. Se puser em risco o meio ambiente, o Brasil pode brecar seu avanço no mercado internacional.
Barros acredita que o Brasil tem condições de crescer sua produção agrícola, de maneira equilibrada, a um ritmo de 5% ao ano. Para isso, serão necessários investimentos anuais de US$70 bilhões a US$80 bilhões. O problema, alerta, é que a demanda por alimentos, em alguns países, tem crescido até 10% ao ano. Ou seja, a curto prazo, os preços permanecerão elevados. Opinião compartilhada por Anderson Gomes, da Céleres:
- O Brasil pode garantir aumento de produção. Mas, para os preços, a curto prazo, não há solução. Os custos de produção subiram muito. A era do alimento barato acabou.