Título: Emergentes reagem à escassez de comida
Autor: Ribeiro, Efrém
Fonte: O Globo, 06/05/2008, Economia, p. 24

Índia quer proibir operações no mercado futuro e árabes terão fundo emergencial. "Se faltam alimentos, ótimo", diz Lula

TERESINA, MADRI, LONDRES, BASILÉIA (Suíça) e AMÃ (Jordânia). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar ontem que a inflação dos alimentos é um "problema bom" porque significa que os pobres estão comendo mais. Mas outras nações em desenvolvimento parecem não concordar: a Índia, segundo o jornal inglês "Financial Times", estuda proibir as operações no mercado futuro de alimentos, como reflexo da disparada nos preços das commodities. E os países árabes analisam criar um fundo de emergência para que as nações mais pobres da região enfrentem a inflação de alimentos.

Na reunião do Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), em Madri, o ministro das Finanças da Índia, Palaniappan Chidambaram, além de propor a suspensão do mercado futuro de alimentos em seu país, disse que os biocombustíveis são a principal razão para a crise dos alimentos. A proposta foi chamada de protecionista pelo diretor-gerente do BDA, Rajat Nag. A Índia já impôs limites a negociações no mercado futuro, bem como às exportações de alimentos.

Na Somália, cinco manifestantes foram mortos ontem em conflito com a polícia durante um protesto contra a inflação e a alta dos alimentos.

Os países árabes devem adotar outra abordagem. O ministro da Agricultura da Jordânia, Muzahim Muhaisin, anunciou que está em estudo a criação do fundo de emergência para ajudar os países árabes, mas não deu detalhes.

Lula disse, na inauguração de um conjunto habitacional em Teresina, que a alta dos alimentos é um "problema bom" por mostrar que chineses, indianos, latino-americanos e africanos estão comendo mais.

- Se estão faltando alimentos, ótimo. Vamos produzir mais alimentos nesse país, nós temos terra, temos tecnologia, temos água, temos sol quase o ano inteiro. Com um pouquinho de investimentos e melhoria da qualidade da terra, podemos triplicar a produção de feijão por hectare. Nós temos que tomar cuidado porque se a gente produzir muito, o preço cai muito. A gente tem de garantir um preço mínimo justo para que o pequeno produtor não perca.

As declarações foram uma resposta a uma faixa de militantes de PSTU, PSOL e Resistência Camponesa, cobrando que Lula baixasse e congelasse os preços dos alimentos. Ele também respondeu às acusações contra o Bolsa Família:

- Uma dona de casa que tem três, quatro filhos, está desempregada e recebe uma ajuda de R$75, R$90 ou R$100 consegue levar comida para a casa dela por 15 dias. Se um cidadão pode se sentar em um restaurante, jantar e dar um Bolsa Família de gorjeta, vai sempre achar que pouco dinheiro não resolve, que é esmola.

"FT" defende "esforço criativo" contra a crise

Na Basiléia, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, fez avaliação parecida. Para ele, a especulação com o preço das commodities é fator secundário:

- Estava claro na mente de todos os colegas que há uma combinação de aumento do padrão de vida nos países emergentes, que mudou o padrão de consumo. O aumento do padrão de vida teve um impacto significativo na demanda por alimentos e produtos agrícolas.

O "FT" defendeu um "esforço criativo". Stephan Wrobel, diretor-executivo da Diapason Commodities Management, disse ao jornal que "o pior que se pode fazer é tentar impedir a alta dos preços e sobretaxar as exportações". Ele acha que a economia global terá de se ajustar a um patamar mais elevado dos preços de alimentos.

COLABOROU Deborah Berlinck, com agências internacionais