Título: La Paz e Santa Cruz agora falam em negociação
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 06/05/2008, O Mundo, p. 26

Governos boliviano e do departamento rebelde discordam dos números do referendo, mas baixam tom beligerante

SANTA CRUZ DE LA SIERRA. Paralelamente a severas divergências sobre os resultados do referendo de domingo, o governo de Evo Morales e o departamento (província) rebelde de Santa Cruz deram sinais claros ontem de que estão dispostos a negociar. Um dia após o presidente anunciar que se reunirá com todos os prefeitos (governadores) dos departamentos bolivianos, os líderes de Santa Cruz afirmaram ontem que podem abdicar de pontos do estatuto aprovado nas urnas.

Os líderes autonomistas cruzenhos pretendem reforçar sua posição com o apoio de outras três regiões do país. Os departamentos de Beni, Pando e Tarija farão referendos de autonomia em junho, e os cruzenhos pretendem esperar os resultados para iniciar uma negociação com o governo central.

La Paz deixou claro que não quer mais a intermediação da Igreja Católica. Mas ampliou o leque de itens negociáveis.

- Estamos esperando os prefeitos para um diálogo e, simplesmente, não vemos necessidade da intermediação da Igreja. Tudo é passível de negociação, inclusive a nova Constituição, a autonomia e a reforma agrária. Estamos totalmente abertos - disse ao GLOBO o porta-voz do governo, Ivan Canellas.

Já o governo de Santa Cruz avaliou como um "balde de água fria" o não reconhecimento da aprovação do estatuto de autonomia por parte de Morales, e considerou a não intermediação da Igreja como uma forma de fechar uma janela para o diálogo. Mesmo assim, afirma estar disposto a negociar.

- Estamos tristes e preocupados com a situação, porque não querem mais a Igreja (como negociadora) e não aceitam o resultado do referendo. Mas vamos apenas esperar os outros departamentos fazerem seus referendos e negociaremos inclusive várias mudanças no nosso estatuto - afirmou o secretário de Autonomia do governo de Santa Cruz, Carlos Dabdoub.

Até a tarde de ontem, a Corte Departamental tinha contado 34% dos votos. A abstenção (pregada pelo governo central) chegava a 35,82%. O "sim" à autonomia chegava a 84,25%, enquanto o "não" somava 15,73%. A queima de urnas atingiu 4% dos votos, segundo a Corte. As contas de La Paz, porém, eram bem diferentes, apesar de o trabalho de contagem não estar sendo feito pelo governo central: foram 40% de abstenção, e 10% dos eleitores registrados teriam votado "não". Somando tudo, haveria 50% de opiniões contrárias à autonomia.

Expectativa cerca referendo nos outros departamentos

Porém, se a mesma lógica fosse aplicada ao pleito que elegeu Morales presidente em 2005, ele teria tido apoio minoritário. Em vez dos 53,7% dos votos válidos, teria só 42,1% dos eleitores registrados.

- O referendo, que é ilegal, só serviu para mostrar que Santa Cruz está dividida. Política e administrativamente é impossível viabilizar a aplicação desse estatuto. Mesmo assim, o presidente está aberto a negociação. Apenas espera ser procurado para que marquemos uma data. É claro que precisam ser feitas mudanças que interessam a todos no país - disse Canellas.

Com propostas de estatutos mais suaves que o de Santa Cruz, os líderes das regiões também demonstram irritação com La Paz.

- Morales demonstra uma cegueira política ao não entender a mensagem de Santa Cruz - disse o prefeito de Beni, Ernesto Suárez.

Em Beni, Pando e Tarifa os ânimos continuam acirrados em torno dos referendos de junho.

- Depositamos muita força nesse referendo de Santa Cruz e é preciso que o governo reconheça a vontade expressa nos votos. Queremos que Santa Cruz proclame sua autonomia, porque no dia 22 de junho será a nossa vez - disse o advogado Gualberto Villegas, dos Montoneros Chapacos, de Tarija.