Título: Dossiê: risco calculado
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 12/05/2008, O País, p. 3
Para governo, ida de funcionário da Casa Civil à CPI não representa grande ameaça
OPalácio do Planalto decidiu pagar para ver até onde vai a ameaça do secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, de revelar detalhes sobre como foi montado o dossiê com os gastos secretos da gestão Fernando Henrique Cardoso. O núcleo de articulação política avaliou, no fim de semana, que a pior reação seria o governo ficar acuado com o que classificou de "chantagem" de um funcionário acusado de vazamento. Após analisar os cenários possíveis com novas revelações de Aparecido, o governo concluiu que o potencial de estrago é relativamente pequeno.
Na pior das hipóteses, observou ontem um auxiliar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um depoimento de Aparecido jogaria na fogueira a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, forçando a sua demissão. Isto causaria constrangimento à sua superior, a ministra Dilma Rousseff, mas nada que não seja contornável, observou essa fonte.
Cresce no Planalto a avaliação de que a permanência de Erenice no governo é mesmo cada vez mais delicada. O GLOBO antecipou, na semana passada, que Aparecido estaria disposto a revelar que a ordem para elaboração do dossiê, com objetivo político, partiu dela. Pelo relato, os servidores destacados para ajudar a montar o documento reagiam com gargalhadas e comemorações diante de cada nova descoberta sobre gastos curiosos ou exóticos da era tucana.
Governo acha que Dilma está blindada
A conclusão entre integrantes do governo é que, nessa hipótese, Aparecido teria muito mais a perder. Nos últimos dias, o núcleo do governo já fez todo o mapeamento e tem segurança de que Dilma está blindada: não haveria possibilidade de o secretário de Controle Interno tentar comprometê-la. Não há sequer registro de uma única audiência reservada entre Dilma e Aparecido nos últimos meses.
- Não podemos ficar reféns da chantagem de ninguém. Vamos avaliar ainda a veracidade das suas declarações. Aparecido também pode mentir. O que ele falar de agora em diante não é a verdade absoluta. Será uma versão. Por isso, nessa altura do campeonato, o melhor é uma investigação completa da Polícia Federal. O Aparecido precisa explicar qual foi sua motivação ao vazar o dossiê para a oposição. Até porque, neste episódio, a ministra Dilma é a vítima - disse o líder do governo senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Apesar da disposição para o enfrentamento, emissários do Planalto e dirigentes petistas ainda apostam num entendimento com Aparecido para a formatação de um depoimento mais leve à CPI do Cartão Corporativo. Aparecido está sendo monitorado pela cúpula do PT e passou o fim de semana em Goiás, com a mãe, que enfrenta problemas de saúde.
Desde a semana passada, a Casa Civil trabalha para não criminalizar o vazamento dos dados da gestão FH. Nesse caso, o prejuízo funcional para Aparecido seria muito reduzido e ele poderia deixar o Planalto e retomar sua atividade como funcionário de carreira do Tribunal de Contas da União (TCU). Isto porque ele ganharia apenas uma "infração administrativa".
Nesse cenário, Aparecido assumiria o vazamento das informações por questões pessoais. Pouparia ainda Erenice, ao repetir a versão de que em 11 de fevereiro, a pedido do secretário de Administração da Casa Civil, Norberto Temóteo de Queiroz, e não de Erenice, cedeu dois funcionários para a montagem de um banco de dados para municiar a CPI, já que as informações estavam desorganizadas.
Apesar da tentativa de demonstrar tranqüilidade, integrantes do Palácio do Planalto não escondem a irritação com o episódio. Até mesmo o presidente Lula tem demonstrado o desconforto com a situação, tendo chegado a fazer um desabafo ao que considera "herança maldita" do ex-ministro José Dirceu, que levou Aparecido para o governo.
- Só me faltava essa: um assessor do Zé Dirceu ter entregue um dossiê para o PSDB - teria dito Lula a um amigo no fim de semana.
Múcio e Jucá se reúnem em Recife
Ontem, em Recife, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, reuniu-se com Jucá para traçar a estratégia sobre as ameaças de Aparecido e sua convocação pela CPI, cuja presidente, senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), convocou sessão extraordinária para amanhã com o objetivo de aprovar a intimação.
- Parte do problema se resolve por conta própria, ao passar essa fase da emoção. É preciso tempo para que tudo se acomode. E vamos atuar naquilo que não se resolve sozinho - declarou o ministro José Múcio.
Integrantes da base admitem apoiar a convocação, mas também querem chamar André Fernandes, assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que confirmou ter recebido de Aparecido uma cópia do dossiê. Ele diz estar pronto para ir à CPI. Aos parlamentares, contará que recebeu o arquivo de 27 páginas e que o repassou ao senador por dever de ofício.
André quer comprovar que não adulterou o documento eletrônico. O dossiê foi enviado por Aparecido a André em uma troca de e-mails no início de fevereiro, mas os dois também teriam tratado do assunto pessoalmente. Apesar disso, André afirmará que nunca pediu ao amigo o dossiê.
André pode ainda revelar quais acha terem sido as motivações de Aparecido. A primeira seria o fato de, apesar de amigos, terem posições políticas divergentes. O documento mostraria que tucanos teriam comportamento antecedente semelhante ao dos petistas. A segunda hipótese é vingança. André contou ao blog do Noblat que Aparecido "detesta 90% das pessoas que trabalham, hoje, no Palácio do Planalto". Uns mais que outros: "(Aparecido) tem horror a Erenice. E é tratado por Dilma como um lixo. É uma pessoa dividida entre sua lealdade ao partido, no caso o PT, e suas divergências com colegas de governo", falou ao blog.
Colaborou: Alan Gripp