Título: O impacto do Bolsa Família
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2009, Política, p. 12

Ao que parece, o fato de ser beneficiado pelo Bolsa Família não torna um eleitor diferente dos outros, quando o assunto são atitudes em relação ao Brasil e à economia

No momento em que se volta a discutir o Bolsa Família e outros programas de características semelhantes, é bom parar um pouco para considerar que impactos eles podem ter nas atitudes de seus beneficiários. Sem isso, é impossível especular a respeito de seus efeitos políticos e eleitorais.

Não que seja coisa fácil. Nos processos por meio dos quais se formam sentimentos, opiniões e expectativas, é difícil identificar o peso específico de cada fator no resultado final. A causalidade é mais complexa que nos fenômenos que as ciências exatas estudam. Uma atitude pode ser determinada por um conjunto de circunstâncias aqui e outro ali.

Tudo se complica quando lidamos com algo do tamanho do Bolsa Família ou do Programa de Benefícios de Prestação Continuada (BPC). O primeiro fornece uma complementação de recursos a famílias de baixa renda, com a contrapartida de algumas obrigações (manter os meninos na escola, vaciná-los, etc.). O segundo transfere dinheiro para deficientes e idosos de famílias pobres, garantindo-lhes renda mensal de um salário mínimo.

Em termos financeiros, o BPC supera o Bolsa Família. Ele é o sucessor de uma linhagem de programas que começa no velho Funrural, criado em plena ditadura. Foi o primeiro a romper com o princípio da contribuição, que estava no fundamento de toda a política previdenciária e social brasileira desde seus primórdios. De lá em diante, passamos a ter também uma previdência não-contributiva, cuja cobertura independe de pagamento anterior direto.

Em volume de beneficiários, no entanto, o Bolsa Família é muito maior. No BPC, somam 3,3 milhões de pessoas, enquanto nele são mais de 13 milhões de famílias e cerca de 50 milhões de pessoas vivendo em domicílios onde alguém recebe uma transferência do programa. Há sobreposições entre os dois, mas não muitas, pelo perfil demográfico das famílias inscritas.

A última pesquisa nacional da Vox Populi, feita em abril, permite avaliar a proporção de eleitores que recebem ou que vivem em domicílios onde alguém recebe o Bolsa Família. Permite, portanto, comparar as respostas dos 19% que são seus beneficiários diretos com as daqueles que não o são.

O que primeiro chama atenção é que as atitudes dos dois grupos são indistintas no que se refere aos sentimentos em relação ao país. Perguntados, por exemplo, sobre se estavam satisfeitos com o Brasil, de maneira geral, 70% dos beneficiados disseram que sim, contra 64% dos não-beneficiados. Perante pergunta a respeito de o Brasil estar em ¿um caminho certo¿ ou ¿errado¿, as diferenças entre os dois grupos são ainda menores: 64% dos beneficiários disseram que o caminho estava ¿certo¿, a mesma opinião de 61% dos que não recebem.

As diferenças aumentam um pouco quando se comparam expectativas: no grupo dos beneficiados, há uma pequena tendência a um maior otimismo, com 58% de pessoas achando que ¿a situação econômica do Brasil vai melhorar nos próximos seis meses¿, enquanto não-beneficiários com essa impressão eram 48%.

Em qualquer dos casos, porém, estamos lidando com variações insignificantes. Ao que parece, o fato de ser beneficiado pelo Bolsa Família não torna um eleitor diferente dos outros, quando o assunto são atitudes em relação ao Brasil e à economia.

Já quando se pergunta aos dois segmentos sobre o governo Lula e as próximas eleições, ficam mais nítidas as possíveis influências que o programa tem sobre as opiniões. Entre beneficiários, a avaliação do governo é mais positiva, com 71% dizendo que é ¿ótimo¿ ou ¿bom¿, contra 57% entre não-beneficiados. É visível que a avaliação é boa para ambos, mas melhor entre os primeiros.

Quando chegamos a temas eleitorais, encontramos fortes diferenças entre os dois grupos. Se Lula pudesse ser candidato outra vez em 2010, 60% dos que recebem o Bolsa Família votariam ¿com certeza¿ nele. Entre os demais, apenas 41% fariam o mesmo. Ou seja, Lula teria seu terceiro mandato entre os beneficiados e não o teria no restante do eleitorado.

O que parece é que programas como o Bolsa Família produzem algum tipo de sentimento de dívida em muitos de seus beneficiários, que passam a imaginar, quem sabe, que devem algo a quem identificam como responsável pelo que recebem. Seria bom se Lula deixasse claro a todos que não lhes devem nada. Eles que fazem parte de famílias onde um familiar que não vive no domicílio recebe e, finalmente, a dos eleitores que apenas conhecem vizinhos, amigos ou parentes mais distantes que recebem. Seriam três níveis de contato com o programa: direto, indireto e remoto.