Título: O que aconteceu no júri acontece todo dia no Pará
Autor: Franco, Bernardo Mello; Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 08/05/2008, O País, p. 3

SÃO PAULO. Irmão mais novo de Dorothy Stang, a freira americana assassinada em fevereiro de 2005 com sete tiros à queima-roupa em Anapu (PA), David Stang, de 70 anos, veio ao Brasil para assistir ao segundo julgamento do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do crime. Foi uma das maiores decepções de sua vida. Amanhã, quando voltar aos Estados Unidos, onde mora, David Stang vai levar, além da decepção, muitas dúvidas sobre a Justiça e as leis do Brasil:

- O que eu vou dizer para meus irmãos, minhas irmãs, sobrinhos, para todos que querem saber o que aconteceu? O que eu vou dizer para eles? Que não tem Justiça no Brasil? - afirmou Stang.

Acompanhando Stang, a freira Julia Depweg, integrante da mesma congregação de Dorothy, afirmou que assassinatos como o da missionária tornaram-se comuns no Pará e acontecem porque quem manda e quem faz as leis são os que têm dinheiro.

- É uma terra sem lei. Ou a lei é de quem tem dinheiro - afirmou a freira americana, que pertence à congregação das irmãs de Nossa Senhora de Namur.

Adauri Antunes Barbosa

O senhor ficou chocado com a absolvição, por unanimidade, do fazendeiro acusado de matar sua irmã?

DAVID STANG: Estou muito chocado. Muito desapontado. Nós achamos que o promotor, doutor Edson (Souza), e a assistência apresentaram todo o material, as provas, de forma muita clara, ponto por ponto. Depois, vi quando ele (o fazendeiro) entrou no carro para voltar a Anapu e Altamira e provavelmente continuar ameaçando lavradores, como ele fez antes deste julgamento e antes de entrar na prisão. Nós, então, ficamos mais desanimados, desapontados e chocados com tudo o que aconteceu. Menos de um ano depois da sentença (do primeiro julgamento) com a pena máxima de 30 anos, a votação foi de cinco a dois. Como ele podia ser declarado inocente e sair como um homem livre? Como?

O que houve para essa mudança tão radical no resultado do júri?

STANG: Não tenho a inteligência nem sei tudo para responder a essa pergunta.

Não foi uma coisa muito acintosa, com acusações inclusive de compra de jurados?

STANG: O que eu vou dizer para meus irmãos, minhas irmãs, sobrinhos, para todos que querem saber o que aconteceu? O que eu vou dizer para eles? Que não tem Justiça no Brasil? Minha irmã Dorothy acreditou no Brasil, acreditou no governo, no povo, acreditou no sistema. Eu não sei o que vou dizer. Eu acredito no Brasil. Eu também, como Dorothy, acredito no governo do Brasil. Vi o promotor e seus assistentes, e eles fizeram um bom trabalho. Eles estão trabalhando há nove meses para colocar Bida (Vitalmiro de Moura) na cadeia. Então, alguém tem que me dizer o que aconteceu para ter esse grande reverso.

O senhor vai fazer alguma coisa para tentar reverter esse resultado?

STANG: O promotor, doutor Edson, vai entrar com recurso. Ele vai também tentar fazer com que o caso seja federalizado. Estamos indo atrás da ajuda de advogados para que mais um mandante, que também é acusado da morte de irmã Dorothy, seja levado ao tribunal para ser julgado.

Vai haver alguma mobilização para protestar contra o resultado do julgamento?

STANG: Nós falamos com os presidentes da OAB de São Paulo, de entidades de direitos humanos e de outros grupos de São Paulo para explicar a situação, sobre o que está acontecendo no Estado do Pará. Estamos falando, dando entrevistas, para dizer que não é só Dorothy. O problema é muito mais sério, muito mais grave. Isso que aconteceu nesse julgamento, que caminha desse jeito, acontece todo dia no Estado do Pará.

Deve haver um novo julgamento?

STANG: Nós temos muita esperança de que vai haver um novo julgamento e que o de anteontem seja anulado.