Título: É hora de se rever a lei
Autor: Franco, Bernardo Mello; Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 08/05/2008, O País, p. 3

CONFRONTO NA AMAZÔNIA

Supremo, governo e entidades protestam contra absolvição de fazendeiro no caso Dorothy

Aabsolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, foi alvo de duras críticas ontem do Supremo Tribunal Federal e do governo federal, além de entidades ambientalistas e de direitos humanos. O ministro do STF Celso de Mello afirmou que a decisão pode manchar a imagem da Justiça brasileira no país e no exterior. Para o ministro Marco Aurélio Mello, o veredito gera perplexidade e revela incoerência no sistema judicial.

Condenado a 30 anos de prisão em 2007, Bida foi inocentado anteontem por um júri popular em Belém, no seu segundo julgamento. Para Celso de Mello, a absolvição pode passar à população a sensação de que o Judiciário deixou de cumprir sua obrigação. Ele lembrou que o assassinato da freira, vítima de uma emboscada em 2005, comoveu o país e teve grande repercussão internacional:

O ministro ressalvou que o júri é soberano para decidir, mas disse entender os protestos:

- Considerando o resultado anterior, isso pode transmitir não apenas ao país, mas à comunidade internacional, uma sensação de que os direitos básicos da pessoa não teriam sido respeitados. Notadamente aqueles da vítima.

Marco Aurélio Mello afirmou que a absolvição de um réu condenado a 30 anos de prisão pelo mesmo órgão da Justiça causa estranheza.

- De duas, uma: ou a culpa não estava formada, ou a segunda decisão é que está errada - afirmou.

O veredito levou o ministro a defender o fim da regra que determina novo julgamento em júri popular quando a pena for superior a 20 anos. Ele lembrou que, por isso, muitos juízes preferem limitar condenações a 19 anos de pena:

- Esse duplo julgamento pelo mesmo órgão é inconcebível. É hora de se rever essa norma.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que a ausência de punições alimenta a atividade de madeireiros e o conflito na Amazônia.

Secretário desconfia de nova versão

O secretário especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, disse que pedirá à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal que investigue o agricultor Rayfran das Neves Sales, assassino confesso de Dorothy Stang. Vannuchi levantou a suspeita de que o agricultor possa ter recebido alguma vantagem para alterar o seu depoimento, inocentando Bida. Indignado com a absolvição, o ministro quer que sejam rastreadas as contas bancárias do réu, seus familiares e advogados.

- Por que ele (Rayfran) terá mudado sua versão agora? É suspeito e muito estranho - disse Vannuchi.

O governo também está preocupado com os efeitos da absolvição de Bida nas atividades de madeireiros:

- Uma libertação como essa sempre será interpretada como sinal verde para esses grupos - disse Vannuchi, que determinou o reforço de proteção a religiosos que atuam no combate ao desmatamento da Amazônia, entre eles o bispo austríaco Ervin Klautler, alvo de ameaças de morte.

O Greenpeace também lamentou. Segundo o coordenador Paulo Adário, volta a sensação de impunidade:

- A prisão dos acusados e a condenação inclusive do mandante trouxeram enorme expectativa e otimismo de que a impunidade, marca registrada na Amazônia, iria acabar. Agora, essa sensação volta com tudo.

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, disse, em nota, que "esse tipo de solução afronta a dignidade humana, estimula a impunidade e aumenta a descrença em valores tão necessários à sociedade, como a paz, a justiça e a esperança".