Título: Discurso e prática
Autor:
Fonte: O Globo, 14/05/2008, Opinião, p. 6

Asenadora Marina Silva foi o primeiro nome anunciado pelo presidente Lula para o Ministério, em 2002. Estava dado, assim, um recado: a complexa questão do meio ambiente seria tratada com seriedade pelo governo, pois a escolhida gozava de grande prestígio no país e no exterior.

Mas uma coisa é discursar no Senado, com o apoio de movimentos ambientalistas. Outra, sentar na cadeira de ministro e administrar os múltiplos interesses em jogo, num país que precisa preservar os recursos naturais, mas sem deixar de explorá-los, e crescer economicamente. Logo surgiram problemas com grupos radicais incrustados no seu Ministério, que se constituíram em obstáculo a projetos essenciais de geração de energia, entre outros. E começaram os embates dentro do governo, o principal com Dilma Rousseff, desde quando esta era ministra da Energia e depois da Casa Civil. O problema inicial foram as licenças ambientais para uma das principais obras do PAC ¿ as usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, cuja liberação exigiu a intervenção do presidente Lula.

Marina não teria digerido a decisão de Lula de encarregar Mangabeira Unger, da Secretaria Especial das Ações a Longo Prazo, de formular uma política para a Amazônia, o que resultou na decisão de entregar-lhe a gestão do Plano da Amazônia Sustentável (PAS). Marina ousou, ainda, criticar abertamente os biocombustíveis, tema freqüente nos discursos presidenciais. Antes, entrara em rota de colisão também com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, ao culpar o agronegócio pela expansão do desmatamento da Amazônia entre agosto e dezembro de 2007, ocasião em que deixou transparecer algum ranço ideológico. Os dados sobre a destruição foram uma grande derrota política para a ministra, por sugerir que sua gestão não tinha de fato conseguido conter a ocupação irracional da Amazônia.

A trajetória de Marina fascina. Ex-seringueira, alfabetizou-se no Mobral, fez supletivo, aos 26 anos formou-se em História. Símbolo da luta pela ecologia, fundou a CUT no Acre, ao lado de Chico Mendes. Ela se despede do governo sem arranhar a imagem de dignidade. O desfecho de sua gestão, porém, evidencia a distância entre o discurso fora do poder e a ação administrativa e política como ministra. Um caso típico da insuficiência das boas intenções.