Título: Navalha: Silas e mais 60 denunciados ao STJ
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 14/05/2008, O País, p. 8

Ex-ministro é acusado de receber propina da empreiteira Gautama; quadrilha é suspeita de desviar R$300 milhões

BRASÍLIA. A Procuradoria Geral da República ofereceu à Justiça denúncia contra 61 pessoas acusadas de envolvimento com a máfia que fraudava licitações e desviava dinheiro de obras financiadas com recursos federais, desarticulada há um ano na Operação Navalha, da Polícia Federal, como antecipou ontem a coluna de Ancelmo Gois. A denúncia do Ministério Público Federal acusa o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau (PMDB) de receber R$100 mil de propina para liberar pagamentos à empresa Gautama, de Zuleido Veras, apontado como chefe da quadrilha, suspeita de ter desviado cerca de R$300 milhões dos cofres públicos.

Também foram denunciados os governadores do Maranhão, Jackson Lago (PDT); e de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB), este acusado de receber R$500 mil de propina; além dos ex-governadores João Alves Filho (DEM-SE) e José Reinaldo (PSB-MA). Todos suspeitos de beneficiar a Gautama em troca de comissões. Se a denúncia for aceita, eles passarão a réus no processo que correrá no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os 61 investigados são acusados pelos crimes de corrupção, formação de quadrilha, crime contra a administração financeira e gestão fraudulenta, entre outros.

Nas 132 páginas que resumem a investigação, as subprocuradoras Lindôra Maria Araújo e Célia Regina Souza Delgado sustentam a existência de um "sofisticado grupo criminoso" comandado por Zuleido Veras para desviar recursos públicos mediante a corrupção de servidores públicos e políticos.

Segundo o MPF, a atuação começava pela identificação, nos ministérios, dos recursos destinados a obras em estados e municípios. Escolhido o alvo, a quadrilha cooptava políticos e servidores para viabilizar os convênios e, se necessário, participava até da elaboração dos projetos técnicos das obras. Após a liberação dos recursos, a quadrilha tratava de direcionar as licitações, quase sempre vencidas pela Gautama.

Esquema para executar Luz para Todos no Piauí

A etapa seguinte, já nos estados, consistia em fraudar as medições técnicas, que atestavam a realização de obras que nunca saíram do papel ou foram executadas em parte, o que garantia a liberação dos recursos. Segundo a denúncia, nesse momento, o dinheiro era desviado e as propinas, distribuídas.

Em 2006, a Gautama ganhou licitação em que foi a única concorrente para executar parte do programa Luz para Todos no Piauí, financiado em conjunto pela Eletrobrás e pela Companhia Energética do Piauí (Cepisa). Segundo a denúncia, ao assumir o ministério de Minas e Energia, Silas Rondeau aumentou a participação da Eletrobrás, e para isso, segundo o Ministério Público, recebeu R$100 mil de propina em seu gabinete:

"Para praticar tal ato, que viabilizaria os pagamentos previstos nos contratos àquela altura já firmados com a Gautama, o ministro Silas Rondeau recebeu de Zuleido Veras, no dia 13 de março de 2007, vantagem indevida, no montante de cem mil reais, através do seu assessor Ivo Almeida", diz a denúncia.

A organização criminosa é divida na denúncia em seis núcleos: o comando da quadrilha, exercido por Zuleido; os intermediários, que eram o elo entre o empresários e autoridades; e os quatro estados onde foram apontadas as fraudes: Maranhão, Alagoas, Sergipe e Piauí.

No Maranhão houve fraudes num contrato de R$143 milhões para a construção de 122 pontes, algumas abandonadas. O governador Jackson Lago e o antecessor, José Reinaldo, teriam atuado na liberação de recursos. Em contrapartida, Zuleido teria presenteado José Reinaldo, em março de 2006, com um Citröen C5, ano 2005. O MPF diz que foram desviados R$24 milhões.

Em Alagoas, teriam sido desviados recursos da construção da Barragem do Pratagy, orçadas em R$77 milhões. Segundo as subprocuradoras, com base em medições fraudadas, foram feitos pagamentos antecipados e em duplicidade. O governador Teotonio Vilela é acusado de interceder, em troca de propina, para que fossem feitos os pagamentos à Gautama. No estado, diz o MPF, foram distribuídos R$800 mil em propinas. O total desviado seria de R$30 milhões.

Em Sergipe, sustenta o MPF, foram desviados R$178 milhões dos R$224 milhões pagos à Gautama pela companhia de saneamento do estado. A propina teria como destino a campanha do ex-governador João Alves Filho à reeleição. A denúncia foi protocolada no STJ anteontem e remetida ao gabinete da ministra Eliana Calmon, relatora do inquérito da Operação Navalha. Ela deu 15 dias para defesa dos suspeitos. O caso será submetido aos 22 ministros do STJ.