Título: Ipea: trabalhador negro ganha 53% menos que o branco
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 14/05/2008, O País, p. 13

Mantida a tendência atual, igualdade de rendimentos só seria atingida no Brasil dentro de mais de três décadas

Geralda Doca

BRASÍLIA. A população negra, composta por brasileiros pretos e pardos, será maioria ainda este ano. Porém, o Brasil está longe de ultrapassar de vez as barreiras da desigualdade. Segundo estudo inédito do Ipea, divulgado ontem, as políticas públicas em andamento (programas de transferência de renda e ações específicas, como as cotas) não têm compromisso com a questão racial e mantêm longa a jornada rumo ao fim das disparidades. Mantidas as tendências atuais, o Brasil levaria 32 anos para igualar a renda dos trabalhadores: os negros ganham hoje, em média, R$558,24, 53% menos do que o rendimento médio dos brancos: R$1.087.

Ontem, foram celebrados os 120 anos da Abolição da Escravatura. Mas as distorções provocadas pela falta de uma política pública, quando os escravos foram libertados, ainda se manifestam. Diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Ipea, Mário Theodoro, autor do estudo, defendeu duas linhas de atuação para superá-las.

A primeira é a adoção de outras políticas universais, além da educação, que assegurem direitos e condições de vida, como acesso à moradia e urbanização. Ela é apoiada, também, no crescimento econômico, que reduz a informalidade, maior entre negros. A segunda é que essas e outras políticas e programas incorporem o foco racial como estratégia do Estado.

Apesar da importância do Bolsa Família, que ajuda a redizir a pobreza, Theodoro disse que o modelo do programa está esgotado em sua capacidade de promover a igualdade entre negros e brancos, porque a maioria da população mais pobre já foi contemplada.

- Temos muitas dúvidas se essas tendências vão continuar. O Bolsa Família está chegando ao limite e não terá mais capacidade para reverter o problema da desigualdade entre brancos e negros - disse Theodoro, citando também "o caráter assistencialista do programa".

Theodoro exemplifica com a educação. Ao se compararem indicadores básicos, como os de alfabetização, vê-se que o Brasil avançou muito em 30 anos. Em 1976, 92% dos brancos sabiam ler e escrever, contra 78% dos negros. Atualmente, a proporção é de 99% e 97%, respectivamente. Isso deve-se à universalização do ensino fundamental. Mas estes números não melhoraram as oportunidades dos negros - tanto que a distância entre o número de brancos e negros nas universidades se ampliou no mesmo período: de 4 pontos percentuais para 12,1.

Negros são maioria entre empregados domésticos

A pesquisa aponta ainda outras disparidades existentes entre as duas raças no mercado de trabalho: há quase um milhão de negros a mais à procura de emprego na comparação com os brancos. Além disso, a população negra é maioria nas ocupações sem remuneração, sem carteira assinada e domésticas. No mercado formal, os negros superam os brancos em setores que pagam mal, como agricultura e construção civil.

Em 2010, os negros serão maioria absoluta, mais de 50% dos brasileiros, porque as negras estão tendo mais filhos do que as brancas. Em 2006, 49,7% dos brasileiros se declararam brancos, ao passo que 49,5% se disseram negros. Trinta anos antes, a distribuição era 57,2% e 40,1%, respectivamente.

www.oglobo.com.br/pais