Título: Supremo recebe manifesto a favor das cotas
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 14/05/2008, O País, p. 13

Grupo entrega ao presidente da Corte documento endossado por acadêmicos, artistas e ativistas de direitos humanos

BRASÍLIA. Um grupo de defensores da política de cotas raciais nas universidades entregou ontem ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, um manifesto em defesa da causa. O documento foi assinado por mais de mil pessoas, incluindo acadêmicos, estudantes, artistas e militantes dos direitos de minorias. Na lista, estão o cineasta Nelson Pereira dos Santos, a atriz Taís Araújo, o ator Lázaro Ramos, a cantora Margareth Menezes, o rapper MV Bill, o arquiteto Oscar Niemeyer e João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Segundo o texto, as cotas cumprem o papel de compensar a histórica exclusão dos negros das universidades. "Apenas nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de estudantes negros no ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século XX", diz o documento. Há duas semanas, opositores da política de cotas também levaram um manifesto ao presidente do STF. Os dois grupos estão preocupados com o julgamento de duas ações sobre o tema. O plenário começou a analisar o assunto há um mês, mas interrompeu a sessão. O julgamento deverá ser retomado apenas no próximo semestre.

Manifesto diz que política de cotas é constitucional

Os defensores das cotas alegam que é preciso "trazer para o interior das universidades brasileiras aqueles grupos sociais historicamente excluídos". Segundo o texto, hoje o país conta com mais de 20 mil cotistas negros cursando a graduação. Somam 69 as instituições de ensino superior público que adotam ações afirmativas. Os militantes argumentam que a política de cotas é constitucional, pois promove oportunidades iguais a brasileiros historicamente tratados de forma diferentes.

Apenas oito representantes do grupo foram recebidos no gabinete de Mendes, que dedicou 20 minutos aos manifestantes. O documento será enviado aos outros dez ministros do STF.

- Quem foi torturado pela ditadura ganha indenizações milionárias do governo. E o povo negro, que foi escravizado, não merece reparação? - disse o frei David Santos, um dos líderes do grupo.

- As cotas são uma ação afirmativa importante para assegurar a inclusão do negro à universidade. Hoje há uma barreira imposta pelo racismo - disse Ivana Leal, integrante do Movimento Negro Unificado, de Goiás.

Abayomi Mandela, estudante de engenharia florestal, sempre estudou em escolas públicas e entrou na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas raciais. Ontem, ele foi um dos recebidos por Gilmar.

- É bem mais difícil concorrer com alunos de escolas particulares. Nas particulares, o foco é fazer o aluno passar no vestibular. Nas públicas, o foco é em nada, as escolas estão abandonadas - disse.

Grupo pró-cotas diz que opositores são elitistas

Em ataque à manifestação do grupo contrário às cotas, intitulada "113 cidadãos anti-racistas contra as leis raciais", os defensores da tese afirmaram que os críticos das cotas não contam com o apoio de estudantes ou de movimentos em defesa dos negros.

"A posição dos 113 é paralela à da elite conservadora que reage desesperadamente para manter o poder que acumulou no período da escravidão, do colonialismo e das repúblicas branqueadas ou excludentes construídas em um momento político ultrapassado e que agora são obrigadas a enfrentar as demandas de uma agenda política que exige justiça social, convivência multiétnica e multirracial, com divisão proporcional de poder e de riqueza", diz o manifesto entregue ontem ao STF.

O grupo pró-cotas também critica o argumento de que é complicado classificar os brasileiros por raças, devido à miscigenação no país.

- O aspecto cultural e histórico de uma raça pode ser usado para fins de discriminação, como tem sido feito. Queremos que os ministros do Supremo, a partir desse documento, possam refletir sobre as políticas de inclusão - disse o advogado Renato Ferreira, pesquisador do laboratório de políticas públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

O mesmo grupo também foi recebido em audiência pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Ao fim do encontro, o ministro defendeu a política de cotas.