Título: Barulho por nada
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Fonte: O Globo, 13/05/2008, Economia, p. 20

O governo anunciou com estardalhaço uma política que é, segundo o presidente, o início de um novo ciclo de desenvolvimento e, segundo o ministro da Fazenda, a política mais ousada e ambiciosa desde os anos 70. Difícil entender a razão de tanto barulho. Na prática, o governo dará aos empresários, em três anos, R$20 bilhões. Deu aos donos de carro 10% disso (R$2 bilhões), à vista, no subsídio ao preço da gasolina.

A velha discussão que existe entre os especialistas de política industrial está colocada, de novo, na escolha feita pelo governo. Alguns acham que vale mais melhorar a eficiência da economia, retirando os obstáculos e gargalos que pesam sobre todas as empresas. Isso é o que permite o aumento da competitividade. Outros acham que é estudar o que cada setor quer e beneficiar alguns que são mais dinâmicos para que eles puxem o resto do país.

Os anos 70, lembrados ontem insistentemente, eram a era da política setorial. O Brasil cresceu, mas acumulou ineficiências. Os anos 90 foram o auge da política horizontal: a abertura da economia, a estabilização, a privatização, o aumento da competição, a adoção do câmbio flutuante. Essa política está na raiz do salto da exportação e do saldo comercial dos últimos anos. Mas essas reformas ficaram incompletas.

O que o governo fez ontem não foi nem uma coisa nem outra. Algumas medidas de desoneração beneficiam exportadores de quase todos os setores industriais, difícil imaginar, em lista tão extensa, quem ficou de fora. A melhor medida, que é a desoneração de parte da folha de salários, beneficiou um setor que é de ponta, a tecnologia de informação, mas é difícil entender como as empresas vão se organizar para fazer essa redução do recolhimento ao INSS. Como uma empresa fará se houver queda da exportação, se ela passar a vender mais para o mercado interno? Se tiver uma redução, será punida. Então, provavelmente, o que ela fará, neste caso, será aumentar o preço para repassá-lo ao consumidor.

Na verdade, ao dar o benefício apenas a quem exporta, ou à parte da empresa voltada para a exportação, o governo criou mais uma confusão burocrática e exibiu sua incapacidade de fazer uma medida que beneficiaria o país como um todo. Hoje, quanto mais emprega, mais a empresa é punida, pois os encargos trabalhistas recaem sobre a folha salarial. Companhias que precisam de pouca mão-de-obra são beneficiadas. Uma das idéias era mudar a incidência do encargo trabalhista, mas isso nunca foi adiante.

Os problemas das empresas brasileiras são conhecidos. A carga tributária é alta e aumentou nos últimos anos; o encargo trabalhista também é alto demais e pune quem cria emprego; o sistema tributário é tortuoso, complexo e burocrático; o sistema de transporte é ineficiente, acumula anos de baixo investimento; os portos são um campo minado; o trabalhador brasileiro tem poucos anos de estudo e não há muita oferta de mão-de-obra qualificada.

Reduzir o IOF, que, no começo do ano, voltou subir; permitir uma depreciação mais rápida dos bens de capital; permitir o retorno mais rápido do PIS-Cofins pago pelas empresas exportadoras; diminuir o spread do BNDES; reduzir o encargo trabalhista para o setor de software e serviços de tecnologia são boas medidas. Mas são tópicas, beneficiam a economia de forma diferenciada e são claramente incapazes de produzir este salto econômico que o governo apresentou como sendo possível a partir das decisões que anunciou.

O governo, na verdade, está tentando compensar os exportadores pelo que eles supostamente perdem com a valorização do real. E o resultado não poderia ser mais estranho. Pois, se a política cambial estiver certa, isso significa que os empresários não têm que ser compensados. Até porque todo exportador, a esta altura, já sabe como conviver com um dólar que se desvaloriza em relação a todas as moedas. Já sabe fazer hedge cambial. Além disso, vários exportadores foram amplamente compensados com a alta de preços de seus produtos. O segundo problema criado por este inconfessado objetivo da política industrial é que, se eles estiverem certos, e as medidas aumentarem a exportação, o resultado final será mais valorização do real, e não menos.

As metas anunciadas ontem pelo governo são todas boas: aumentar a taxa de investimento, aumentar a inovação e pesquisa e desenvolvimento, aumentar a presença de pequenas empresas no setor exportador, aumentar a participação do Brasil no comércio internacional. O problema é que, para atingir esses objetivos, o melhor caminho é o de continuar fazendo o dever de casa que começou nos anos 90, seguir melhorando as condições gerais da economia brasileira.

Há uma tarefa microeconômica, que começou a ser feita na época do ministro Antonio Palocci, que é a de ver que tipo de entulho burocrático ou de regulamentação irracional existe em cada setor e removê-los. Foi o que permitiu ¿ junto com a queda dos juros e a consolidação da estabilização ¿ o aumento do setor de construção residencial, por exemplo. Esse dever de casa pode ser setorial. Mas será mais eficiente se for constante, feito como parte da busca cotidiana por mais eficiência na economia.

O anúncio de ontem é como disse Shakespeare: muito barulho por nada. Ou melhor, por mais alguma transferência de renda da sociedade para as empresas que exportam.