Título: Empresários e economistas cutucam juros altos e real sobrevalorizado
Autor: Almeida, Cássia ; Melo, Liana
Fonte: O Globo, 13/05/2008, Economia, p. 20

Metalúrgicos aproveitam presença de patrões para cobrar divisão de lucros

Cássia Almeida e Liana Melo

RIO e SÃO PAULO. Em meio aos elogios à nova política industrial e ao consenso de que o pacote de medidas pode impulsionar o crescimento econômico, o empresariado nacional cobrou mais alinhamento entre as políticas monetária e fiscal. Os economistas foram mais críticos, mas ainda assim apontaram pontos positivos. Juros altos e câmbio supervalorizado deram o tom das críticas, tanto de empresários quanto de economistas.

O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp (em Campinas), considerou importante a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), ressaltando que em nenhum lugar do mundo setores de alta tecnologia deslancharam sem apoio:

¿ Não existe outra forma de fazer.

Mas Carneiro reclamou da taxa de câmbio muito valorizada, dizendo que o pacote de medidas de estímulo às exportações e ao investimento perde força com o dólar fraco.

O economista Armando Castelar, da Gávea Investimentos ¿ gestora de recursos comanda pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga ¿, foi mais incisivo. Ele considera que a nova política industrial não apresenta nada de novo e ainda tem um desenho antigo:

¿ É preciso explicar os motivos que levaram determinados setores a serem privilegiados em detrimento de outros.

Castelar, no entanto, elogiou a fixação de metas, sobretudo a que prevê taxa de investimento de 21% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país):

¿ Mesmo assim, essas metas terão que ser atingidas também com políticas macroeconômicas. O problema do investimento no Brasil é a falta de poupança. Essas medidas vão reduzir a poupança pública, ao distribuir dinheiro subsidiado e ter menos retorno dos empréstimos.

Abimaq cobra controle ágil das metas listadas

Mesmo admitindo que o pacote merece uma análise mais criteriosa, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, presente ao evento de ontem, comentou que a nova política industrial inclui várias medidas de desoneração tributária, ¿o que é sempre positivo¿. E acrescentou que é um ¿pacote do bem¿.

¿ Aumento de investimentos se dá com o incremento da demanda. E quando os juros aumentam, isso vai na contramão desse princípio ¿ criticou Skaf, ponderando que a Taxa Selic não pode ser elevada, sob pena de ameaçar o desenvolvimento do país.

Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, ponderou, em nota, que o programa precisa ser complementado por ações que permitam a ¿remoção de importantes gargalos de infra-estrutura¿.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, que também presenciou o anúncio, considera que a nova política promove a aliança estratégica entre os setores público e privado, mas chama a atenção para a necessidade de mais articulação intragovernamental. Ele aproveitou a presença do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, para cobrar mais assiduidade das reuniões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que se reuniu apenas uma vez nos últimos 15 meses.

Assim como Skaf, Monteiro critica o governo pela falta de sintonia entre as políticas fiscal e monetária:

¿ Esse é um dos grandes desafios. Há um peso forte recaindo sobre a política monetária e não há contribuição da área fiscal. Temos que ter uma política fiscal consistente.

A Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib) considera que o governo acertou na escolha dos setores beneficiados pela nova política industrial, mas, em nota, cobrou a criação de um modelo de gestão e controle ¿centralizado e ágil¿. Na mesma nota, a entidade ponderou que o desafio, de agora em diante, será conseguir instituir um modelo de gestão e controle centralizado e ágil para acompanhar a implementação e o cumprimento das metas listadas, que dependerão de 35 órgãos e instituições públicas.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto ¿ que também esteve no BNDES para assistir ao lançamento do PDP ¿, foi só elogios aos anúncios de desoneração e ampliação do prazo de pagamentos dos empréstimo para compra de máquinas e equipamentos, que subiu de cinco para dez anos.

Câmbio é desafio a exportadores, diz Braskem

Esse anúncio, inclusive, arrancou aplausos da platéia de empresários. Mesmo assim, Aubert Neto disse que as importações de bens de capital vão continuar fortes, por causa do dólar baixo:

¿ O déficit comercial do setor subiu de US$500 milhões, em 2006, para US$12 bilhões, no primeiro trimestre deste ano. A importação, por sua vez, aumentou 61% de janeiro a março último.

O presidente da Braskem, José Carlos Grubisich, após assistir ao lançamento, considerou as medidas positivas, mas lembrou o câmbio forte, um desafio à nova política:

¿ É um programa suprapartidário e vai além do presidente Lula. Mas continuamos com o desafio do câmbio, para exportadores e para as pequenas empresas que precisam competir com os importados. Novas medidas terão que ser anunciadas.

Já o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC ¿ vinculado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) ¿, José Lopez Feijóo, aproveitou a presença dos patrões, como o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, para avisar que ¿vai cobrar a repartição dos lucros¿ nas próximas campanhas salariais. Feijóo foi o único representante dos trabalhadores convidado a participar oficialmente do lançamento da nova política industrial.

O presidente da Anfavea preferiu não comentar as declarações, e disse apenas que está convencido de que o pacote de medidas não sofrerá represálias por parte do Congresso Nacional. Do conjunto de medidas anunciado, duas são medidas provisórias.