Título: Cofrinho soberano
Autor: Paul, Gustavo; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 14/05/2008, Economia, p. 23

Governo anuncia criação de fundo com recursos do superávit primário, sem decidir montante

Oministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem o detalhamento do fundo soberano a ser criado pelo governo brasileiro, que será abastecido por um esforço fiscal maior do governo. O aporte inicial, porém, ainda não foi decidido. Embora não tenha admitido explicitamente um aumento da meta de superávit primário - hoje em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) -, Mantega foi obrigado a reconhecer que a economia de recursos feita para pagar juros da dívida pública terá de ser maior para compor o fundo. Este será criado por meio de projeto de lei ou medida provisória (MP), a ser enviado ao Congresso nos próximos dias.

- O Brasil possui uma política fiscal consistente. Isso faz com que o primário esteja acima da meta. Em março, tivemos até superávit nominal. Temos algum recurso excedente que pode ser poupado para colocar no fundo - disse Mantega, sem explicar quanto do excedente primário poderá ser utilizado. - É como um cofrinho. Você recebe seu salário, faz despesas e aí sobram recursos e você coloca no cofrinho.

O fundo será dividido em duas partes. Uma será operada pelo Tesouro Nacional, que vai comprar dólares no mercado doméstico e utilizá-los na compra de títulos no exterior. Outra será o Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), a ser criado. Ele será controlado pelo Tesouro, terá o governo federal como único cotista e receberá parte do excedente do superávit primário. Atualmente, o superávit está acumulado em 4,46% em 12 meses. O 0,66% acima da meta representa, pelas projeções oficiais de PIB para 2008, R$18,6 bilhões.

Analista: dinheiro deveria abater dívida

Os recursos serão utilizados em operações no exterior e compra de debêntures do BNDES, por exemplo. Isso servirá para financiar projetos de empresas que queiram se internacionalizar. Segundo Mantega, "será como um Eximbank". O agente financeiro pode ser o BNDES, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal.

Mas há vários detalhes em aberto, como o limite máximo de recursos do fundo. Mantega teve, porém, de explicar por que não usar o excedente do superávit primário para abater mais a dívida pública. Segundo ele, a meta deste ano já é suficiente para manter o processo de redução do endividamento, atualmente em 41,2% do PIB.

- O superávit primário foi dimensionado de modo a reduzir a dívida. Fazemos as duas coisas. A meta vai ser mantida, mas você vai criar uma poupança fiscal.

O fundo soberano terá também um caráter anticíclico, ou seja, servirá para guardar excedentes de arrecadação em momentos de crescimento, como o atual. Em situações de crise, poderá liberar recursos. Este é o modelo usado pelo Chile.

Segundo o ministro, o Brasil está pronto para ter fundo soberano porque tem nível elevado de reservas (US$197,6 bilhões), forte fluxo de entrada de recursos internacionais e é credor em dívida externa. Mantega admitiu ainda que a equipe econômica conta com as recentes reservas na camada de pré-sal descobertas pela Petrobras, que - em caráter não-oficial - poderão significar uma reserva de 70 bilhões de barris.

- Talvez teremos de fazer alguma adaptação no fundo para incluir no futuro a receita do pré-sal, que é toda da União - afirmou o ministro, que ressaltou ainda o grau de investimento como fator positivo.

A idéia do governo é utilizar os recursos do fundo para apoiar a internacionalização de empresas brasileiras, ampliar a rentabilidade dos ativos financeiros do setor público e formar poupança pública. Também estão na mira o câmbio e a inflação: pela compra de dólares no mercado, segurando a cotação da moeda americana; e pela redução de gastos do governo dentro do esforço fiscal maior, ajudando no controle da inflação.

Mantega ressaltou que a criação do fundo foi uma idéia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tem o apoio do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. A idéia foi tornada pública por Mantega em outubro do ano passado. Durante meses, não se explicou de onde viriam os recursos. Em novembro, Mantega disse que o fundo seria composto por reservas internacionais, desmentindo a informação no dia seguinte. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo sugeriu usar o superávit nominal, de mais de R$3 bilhões, o que agradou a Fazenda.

O anúncio foi mal recebido por economistas. Além de nada ter a ver com os chamados fundos soberanos, argumentam, o modelo verde-amarelo pouco fará pela política cambial ou a internacionalização de empresas.

- É uma decisão equivocada de política econômica. Não vai conseguir segurar o dólar e, por ser um instrumento expansionista, pode até aumentar a necessidade de aumento dos juros - disse o pesquisador e professor de macroeconomia do Ibmec São Paulo Marcelo Moura. - O governo deve 47% do PIB, paga os maiores juros do mundo e, em vez de usar o superávit adicional para abater esses débitos, vai usá-lo para outros fins que não me parecem tão prioritários.

Sílvio Campos Neto, economista-chefe do banco Schahin, não vê grandes vantagens em uma "poupança contra crises". Segundo ele, a criação desse instrumento se justificaria daqui a quatro ou cinco anos, quando o Brasil começará a receber mais dólares com a venda de petróleo e gás dos campos descobertos pela Petrobras.

- Um fundo soberano só tem sentido para países com altos saldos de balança comercial ou excesso de arrecadação fiscal, o que não é o caso do Brasil - concluiu o professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, Alcides Leite.

COLABORARAM Ronaldo D"Ercole e Lino Rodrigues

BRASIL É 38º A CRIAR FUNDO SOBERANO, na página 24