Título: Espremido entre dois gigantes
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2009, Brasil, p. 18

Para especialistas consultados pelo Correio, crise enfrentada pelo ensino médio resulta, em grande parte, da falta de uma identidade própria e de atenção especial, voltada aos níveis fundamental e superior Os namorados Ana Laura e Átila, estudantes do 3º ano: sobram disciplinas e falta conteúdo Médio só no nome. Os indicadores de permanência e desempenho mostram que os três últimos anos do ensino básico estão mais para ruins do que para medianos. A prova é que o Ministério da Educação tem se esforçado para promover mudanças na estrutura deste ciclo, seja por meio da proposta do novo exame de acesso às universidades ou pelo projeto de aumentar a carga horária e substituir a divisão de disciplinas por áreas do conhecimento. Para completar, as notas obtidas pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), divulgadas no mês passado, reforçaram o que os especialistas em educação dizem há tempos: já passou da hora de descobrir a identidade do ensino médio.

Para Mozart Neves Ramos, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente executivo do movimento Todos pela Educação, as atenções sempre estiveram voltadas ao ensino fundamental e ao superior. O primeiro por ser obrigatório. O segundo porque é amparado por um poderoso lobby dos que o consideram sinônimo de status. ¿O ensino médio é o primo pobre¿, constata.

Pedagoga, mestre em Educação e professora da Universidade Católica de Brasília, Leda Freitas lembra que o debate sobre a identidade do ensino médio começou ainda na década de 1990, quando as diretrizes curriculares, até então voltadas quase exclusivamente ao mercado de trabalho, foram substituídas por um conceito mais de formação pessoal. ¿A ideia é que o ensino médio dê condições para que o jovem viva em sociedade, conhecendo as linguagens tecnológicas, as ciências, enfim, uma visão geral dos saberes¿, explica.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, estipulou um modelo diferenciado para a educação dos jovens, ratificado dois anos depois pela resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) a respeito dos parâmetros curriculares do ensino médio. Os estudos deveriam estar centrados no ¿acesso ao conhecimento e exercício da cidadania¿, e com vistas para ¿o domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna¿ e o ¿conhecimento das formas contemporâneas de linguagem¿. Na prática, porém, o que aconteceu foi a distribuição de um conteúdo denso em diversas disciplinas que não dialogam entre elas. Com o agravante da carga horária atual de 2,4 mil horas por ano, que dá somente em quatro aulas por dia.

Ousadia Em reunião com o Conselho Nacional de Educação, no início da semana passada, o diretor de concepções e orientações curriculares da Secretaria de Educação Básica do MEC, Carlos Artexes Simões, reconheceu que a lei foi um avanço, não assimilado pelas escolas. ¿A LDB foi ousada e propôs uma organização do currículo avançada.¿ Mas ele também lembrou que, sempre deixado de lado, o ensino médio foi alvo de pouco investimento e que as redes de ensino optaram pelo modelo tradicional, dividido por disciplinas. De acordo com Artexes, a intenção do ministério é transformar esse cenário e, para o diretor, a proposta enviada ao conselho (leia mais nesta página) traz com ela a possibilidade de aplicar, finalmente, as diretrizes de 1996.

Uma das preocupações do ministério e do CNE é que, sem foco, o ensino médio tem afastado os jovens. ¿O perfil do jovem mudou, os interesses são outros, por isso as escolas precisam se adaptar¿, diz a pedagoga Clélia Brandão, professora desde 1972 e presidente do conselho. De fato, uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas sobre os motivos da evasão escolar demonstrou que a maioria dos estudantes abandona a última etapa da educação básica por pura falta de interesse (veja quadro). Um estudo qualitativo da organização não governamental Ação Educativa também estudou a relação do jovem com o ensino médio e constatou a desilusão dos alunos.

Dos 880 jovens de escolas públicas ouvidos pelos pesquisadores, 90% afirmaram que se interessam pelo aprendizado ¿às vezes¿. Para 43%, a maior expectativa em relação ao ensino médio era a formação para o mercado de trabalho, embora a atividade mais realizada pela escola, de acordo com os alunos, seja a preparação para o vestibular. Ana Laura Rosa, 17 anos, estudante do 3º ano de uma escola pública do Distrito Federal diz, porém, que mesmo o ensino para o exame de acesso à universidade é precário. A jovem, que quer cursar jornalismo, acha que está em desvantagem, em relação aos frequentadores de instituições particulares. ¿Os professores faltam muito, poucos se esforçam. A escola não prepara, a gente tem de fazer cursinho¿, diz. No ano passado, ela se matriculou em um, para pegar mais base no ensino médio.

Para Átila da Silva Ferreira, 17 anos, namorado e colega de turma de Ana Laura, sobram matérias, falta conteúdo. Eles têm 13 disciplinas, incluindo uma voltada ao desenvolvimento de projetos, mas que acabou transformada em horário livre. ¿Não existe, a gente não faz nada¿, diz. As outras 12 são excessivas, acredita. ¿É muita disciplina e a gente não sabe para que servem algumas. Filosofia e sociologia, por exemplo, ninguém leva a sério¿, diz. O futuro estudante de direito faz estágio à tarde no Tribunal Regional do Trabalho. E conta que nada do que aprendeu no ensino médio contribuiu para a experiência profissional. ¿É um mundo totalmente novo¿, diz.

Mozart Neves Ramos concorda que o aproveitamento do aprendizado é quase nulo. ¿Estatísticas do Todos pela Educação mostram que 91,2% dos alunos do ensino médio não sabem o que deveriam saber sobre matemática. O ensino médio está no fundo do poço¿, reconhece. Ele acredita que, além de reformular o currículo da fase final da educação básica, as universidades precisam, também, passar por mudanças. De acordo com Mozart, os dois primeiros anos do ensino superior distanciam-se muito da realidade dos egressos, o que acaba provocando reprovações e evasão. ¿Os conteúdos vistos no ensino médio não têm uma continuidade. Hoje, as universidades não se comportam como tal, os departamentos não conversam entre eles para construir um saber mais integrado com o ciclo básico¿, critica.