Título: Cabral reforça o Iulismo
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 15/05/2008, O País, p. 4

As idas e vindas para a substituição de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente têm como subtexto a luta de poder dentro do petismo com vistas à sucessão de 2010 e um recado explícito para quem, como o governador do Rio, Sérgio Cabral, acha que tem suficiente prestígio político com Lula para se apresentar como candidato a vice-presidente em uma chapa encabeçada pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O novo ministro, Carlos Minc, só foi confirmado porque não vingou a manobra da cúpula palaciana de colocar no cargo o ex-governador do Acre Jorge Viana. Havia uma boa argumentação política por trás da verdadeira motivação, que era impedir o fortalecimento do governador Sérgio Cabral.

A nomeação do ex-governador do Acre, do mesmo grupo político da ex-ministra Marina Silva, reduziria o impacto simbólico de sua saída do governo. Hoje envolvido com a iniciativa privada, Viana recusou pela segunda vez fazer parte de um Ministério para o qual parecia ser nomeação certa em 2006, quando deixou o governo do Acre e não disputou a vaga de senador para dar a vez ao seu irmão Tião Viana.

Deixado de fora do Ministério do segundo governo Lula por inexplicáveis razões, Jorge Viana acabou gostando da iniciativa privada, para onde foi levado pelo governador de Minas, Aécio Neves, que, empenhado em uma aproximação com uma ala moderna do petismo, indicou-o para presidir a Helibrás, uma empresa privada com investimento francês, mas que tem o governo de Minas como acionista importante.

Viana também faz parte do conselho da Aracruz Celulose, e se diz bastante satisfeito em estar do outro lado do balcão. Disse-me ele que não era o seu caso deixar a política pela empresa privada, mas que gostaria de permanecer por um bom tempo nessa situação para entender melhor a iniciativa privada, uma maneira de aprimorar sua atuação como homem público mais adiante - ele pretende se candidatar a senador pelo Acre em 2010.

Uma das boas trocas de idéias que vem tendo é com o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, e dessa experiência certamente sairá mais informado sobre o agronegócio e poderá adicionar esses conhecimentos à sua militância ecológica.

De qualquer maneira, seja por mágoa ou por cálculo político, ou até mesmo pela boa remuneração que está recebendo, Jorge Viana recusou-se a integrar o governo, retirando do grupo palaciano petista o argumento oficial com que quase conseguiu evitar a nomeação do petista Carlos Minc.

Como se vê, é uma disputa de grupos petistas dentro do governo, e com um "intruso" no meio, o governador do Rio, atual xodó do presidente Lula, que é do PMDB. Sérgio Cabral já tinha dado um sinal de entender os interesses petistas ao fazer o surpreendente movimento de aceitar indicar o vice-prefeito para uma chapa encabeçada pelo deputado estadual petista Alessandro Molon.

Mas seu crescente prestígio junto a Lula, do qual se utiliza para se impor dentro do PMDB como uma liderança emergente, também incomoda a cúpula do PT, que ainda não aceitou a ministra Dilma como a virtual candidata à sucessão, quanto mais um peemedebista que se oferece como vice numa chapa que não é a dos sonhos da cúpula do partido.

O apoio de Sérgio Cabral a Dilma, que se fortalece com a nomeação de Carlos Minc, companheiro de luta armada da ministra, o coloca em confronto direto com a cúpula petista, que quer ter o processo sucessório sob seu controle. O caso do dossiê, que está longe de se encerrar, pode também atrapalhar os planos da ministra.

Cabral não se incomoda de parecer submisso ao presidente da República, desde que essa submissão, que ele se esforça para caracterizar como uma relação pessoal forte, traga resultados concretos para o Estado do Rio.

A base da candidatura de Molon à prefeitura do Rio é garantir a boa relação das três esferas de governo, sob alegação de que a cidade e o Estado do Rio sempre foram discriminados pelo governo federal por desentendimentos políticos.

Já seus adversários o classificam, e aos demais candidatos da base governista, de "lulodependentes", e o prefeito Cesar Maia procura pespegar nessa relação especial com o governo federal um rótulo de subserviência que não se coaduna com a altivez do Estado do Rio.

Além de Molon, disputam o palanque do presidente Lula a candidata Jandira Feghali, do PCdoB, e o bispo Crivella, do PRB, que por enquanto parece ter a preferência, pelo menos pelos gestos públicos.

O candidato do PSOL, deputado federal Chico Alencar, anuncia que será questionado na Justiça Eleitoral, como uso indevido da máquina pública na campanha, o projeto da reforma de casas no Morro da Providência, com recursos públicos e apoio militar do Exército. "Propaga esse seu "cimento social" no melhor estilo clientelista", acusa.

Chico Alencar, que quando era do PT fazia dobradinha com Molon, agora questiona o mote da campanha de seu adversário petista: "Molon se diz o candidato da "boa relação" com Cabral e Lula. Como se outros não pudessem, pela honrosa e importante função de governar o Rio, com mandatos dados pelo voto popular, ter essa possibilidade, sem mesquinharias".

Chico Alencar garante que o pragmático Lula "não ousará colocar obstáculos em projetos de interesse público, até porque está experimentado em lidar com figuras como Jader, Maluf, Severino e que tais, e sabe que conosco será até mais agradável. E mais barato".

O fracasso da tentativa de nomear Jorge Viana para o cargo reforçou o "lulismo" dentro do governo, e o principal representante desse movimento é o governador do Rio, Sérgio Cabral, cujo projeto político se fortalece dentro da máquina governamental e, por conseguinte, na máquina peemedebista.