Título: Tudo pelo pãozinho
Autor: Beck, Martha; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 15/05/2008, Economia, p. 23

Governo suspende impostos e anuncia medidas para conter inflação de derivados de trigo

Assustado com o aumento de mais de 25% da tonelada do trigo no país - provocado pelas restrições de venda impostas pela Argentina e os baixos estoques mundiais -, o governo anunciou ontem medidas com o objetivo de facilitar a importação do grão e reduzir o preço, nas gôndolas de supermercado, dos produtos derivados. Para tentar conter os reflexos na inflação, foi suspensa a cobrança de PIS/Cofins sobre a venda do trigo, da sua farinha e do pão francês, e retirado o adicional de 25% do frete da Marinha Mercante no transporte do grão. Além disso, o governo autorizou a importação com tarifa zero de mais um milhão de toneladas do trigo de fora do Mercosul.

- São medidas para garantir a oferta de trigo e reduzir o custo da farinha e do pãozinho - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. - O consumidor já foi pego de calça curta, sofreu (com) aumento. Daqui pra frente, os preços tendem a diminuir.

A renúncia fiscal com PIS/Cofins, de R$500 milhões, e a desoneração do frete valerão até o fim do ano. A cota de importação expira em 31 de agosto. Os ministros Mantega e Reinhold Stephanes (Agricultura) se encontraram com representantes da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) antes de instituir as mudanças. O setor produtivo, garantiram, comprometeu-se a repassar os benefícios aos preços finais.

Segundo estimativas do segmento, a desoneração deve reduzir os preços da farinha entre 10% e 11%. Já no caso do pão, isso vai depender do setor de panificação.

- Fizemos o compromisso de repassar imediatamente a redução de tributos feita pelo governo para os preços do trigo - disse Jorge Chammas, presidente do Moinho São Jorge, em São Paulo.

Pão francês foi vilão da inflação em abril

O Brasil precisa importar 70% do trigo que consome. A demanda atual é de 10,2 milhões de toneladas por ano. O estoque mundial de trigo, estimado em 112 milhões de toneladas, é o mais baixo dos últimos 20 anos e o preço do trigo nacional subiu 25,5% em 2008. Ao liberar, na semana passada, mais recursos para financiar o plantio do cereal, o governo espera um aumento de 25% na produção este ano.

O impacto da alta do trigo na cesta básica está no centro das preocupações oficiais. Tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu ontem a representantes de movimentos sociais uma redução de impostos incidentes em várias cadeias, especialmente a do trigo. Lula ligou várias vezes para Mantega durante a reunião com a Abitrigo e ordenou que as medidas saíssem o mais rapidamente possível.

O comportamento dos preços dos derivados justifica a ofensiva. A farinha de trigo subiu 11,31% este ano, puxando um reajuste de 13,99% do pão francês e de 6,7% do macarrão, por exemplo. Só em abril, o pãozinho encareceu 7,33%, tornando-se o vilão da inflação. O IPCA (índice oficial de inflação) do período está acumulado em 2,08%. Segundo Mantega, a alta do pão chega a 25% em um ano e teve um impacto de 0,25 ponto percentual no IPCA dos últimos 12 meses.

- Daqui pra frente, o preço deverá se estabilizar ou cair. A garantia de que isso vai ocorrer é que nós acreditamos na palavra do setor - disse Mantega, informando que a oferta do trigo aumentará no fim do ano, pois "a safra americana vem robusta".

Mantega explicou que a situação do abastecimento brasileiro foi agravada porque a Argentina não está cumprindo o compromisso de vender um adicional de 800 mil toneladas de trigo. O Brasil importa 4 milhões de toneladas por ano do país vizinho. O consumo interno é de dez milhões, e a produção nacional, de 4 milhões:

- Estamos dando condições para que valha a pena importar de outros lugares. Estamos reduzindo o frete e aumentando o prazo para comprar de fora. A Argentina não está fornecendo o trigo adicional que tinha prometido.

No fim de janeiro, já havia sido dada às empresas brasileiras a possibilidade de importarem com tarifa zero um milhão de toneladas, diante das restrições às exportações criadas pela Argentina - que, para enfrentar aumentos de 50%, vetou embarques além do acordado para elevar a oferta doméstica. Desta vez, a ampliação será feita em duas frações de 500 mil toneladas: a primeira entrará em vigor imediatamente, e a segunda, se houver necessidade.

Até agora a medida não se mostrou eficaz. Consta apenas a importação do Canadá e dos EUA de 125 mil toneladas da cota de um milhão aprovada no início do ano. A principal dificuldade é o alto custo do frete - 2,5% da importação - e os problemas relacionados à logística. Por isso, o adicional de frete foi reduzido.

Auto-suficiência em 7 anos, diz ministro

As medidas se somam a outra iniciativa do governo, que no mês passado lançou o Plano Nacional de Trigo, com o objetivo de estimular o cultivo do produto. Entre as propostas estão o aumento do limite de crédito de custeio das lavouras, a alta de 20% do valor do preço mínimo de garantia e a oferta de seguro aos produtores. O governo estima que a produção para a próxima safra (2008/2009) atinja um volume de 4,75 milhões de toneladas, um aumento de 25%.

Stephanes disse ontem que o Brasil se tornará auto-suficiente em trigo gradativamente, num prazo entre cinco e sete anos. Para isso, o país dispõe de terra (Região Sul e Goiás) e máquinas. Mas enfrenta problemas com sementes.

(*) Colaborou Liana Melo