Título: Trilha para o centro do horror
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 15/05/2008, O Mundo, p. 29
Após 2 dias, soldados chegam ao epicentro do tremor da China, que já tem 15 mil mortos
Depois de dois dias atravessando montanhas a pé, as equipes de resgate do Exército da China finalmente chegaram ontem a Wenchuan, epicentro do terremoto e a cerca de 100 quilômetros de Chengdu, capital da província de Sichuan. Até ontem, o terremoto na região já havia provocado 15 mil mortes, além de milhares de feridos e dezenas de milhares de desabrigados. Cerca de 60 mil pessoas estão desaparecidas.
Na imprensa estatal chinesa, onde os trabalhos de resgate do terremoto em Sichuan ganham contornos de heroísmo em nome da ¿Pátria Mãe¿, o Comando Militar de Chengdu ¿ que coordena o trabalho de 50 mil soldados ¿ não se cansa de dizer que Wenchuan está recebendo ajuda por conta da ¿bravura de soldados que andaram 60 quilômetros e cavaram com as próprias mãos¿ para chegar ao lugar.
Patriotadas à parte (com direito a repórteres de TV chorando junto a soldados em meio às vítimas), o fato é que Wenchuan virou o grande desafio para as equipes de resgate diante da dificuldade de se movimentar pelo local montanhoso, onde estima-se que só três mil dos 12 mil moradores sobreviveram à tragédia. As estradas de acesso à região continuam bloqueadas por um sem número de barreiras e boa parte da ajuda às vítimas tem sido efetuada com a ajuda de helicópteros do Exército, que despejam comida e medicamentos sobre a área.
Até ontem, Wenchuan estava completamente isolada do resto do país, sem energia, água ou medicamentos. Segundo o governo chinês, 70% das estradas de acesso à cidade foram danificadas e todas as pontes ruíram com os deslizamentos de terra. Para evacuar as vítimas, os soldados estão usando botes de plástico em riachos.
¿ Precisamos urgentemente de médicos, comida e água potável ¿ afirmou ontem He Biao, vice-secretário-geral da administração municipal.
30 mil desaparecidos apenas em Shifang
Cercado por centenas de soldados, o Escritório de Administração de Shifang, na área do epicentro do terremoto, a 150 quilômetros de Chengdu, virou um local que ilustra o desespero que afeta a região. Ali estão cerca de 150 cadáveres à espera de reconhecimento e para lá rumam os moradores da cidade ¿ cerca de 430 mil ¿ que precisam de informações sobre como conseguir comida e abrigo num dos locais mais devastados pelo tremor de segunda-feira. Cerca de 2,5 mil mortes foram confirmadas, e mais de 30 mil pessoas ainda estão desaparecidas.
Segundo Zhang Na, médica do hospital de Shifang, há mais de 500 feridos na região urbana da cidade e outros seis mil nas montanhas que cercam o lugar devido a deslizamentos de terra.
¿ A situação é crítica, porque a chuva transforma o ambiente num lugar propício para a proliferação de doenças ¿ disse ela. ¿ Precisamos de remédios, roupas, água e comida.
Nas montanhas ficam duas indústrias petroquímicas ¿ Jin He e Hong Da ¿ que foram atingidas pelos tremores e vazaram, segundo a agência Xinhua, 80 toneladas de amônia, provocando o deslocamento de mais de cinco mil moradores. Um desastre ecológico não está descartado.
Faz frio e os prédios destruídos obrigam os moradores a se protegerem em barracas improvisadas na rua. É o caso do casal de comerciantes Wen Zhaoyong, 41 anos, e Luo Qibing, 44, que viram o prédio onde moravam desabar minutos após a família abandonar o edifício.
¿ Não sabemos quando vamos voltar a morar em uma casa normal e já se fala aqui em seis meses para a reconstrução das casas destruídas ¿ diz Wen, que divide sua barraca com outras 13 pessoas de seis famílias.
O governo dedica especial atenção à tentativa de conter a destruição de represas. A Três Gargantas, a maior do mundo, que está em fase final de construção, fica em Sichuan, mas não sofreu danos. Porém, 391 represas foram danificadas, duas delas grandes. A represa Zipingpu, perto de Dujiangyan, é uma delas. Milhares de soldados tentavam ontem preencher as rachaduras que se abriram. A queda das represas poderia aumentar muito o número de mortos.
Em meio a tamanha destruição, alguns pequenos milagres emocionaram o país. Em Mianzhu, onde milhares de pessoas morreram, os soldados conseguiram retirar com vida 500 pessoas soterradas. Em Dujiangyan, uma mulher grávida de oito meses foi retirada dos escombros do prédio em que morava. Minutos depois, sua mãe idosa também foi salva. Mas por trás de cada final feliz se escondem outras tragédias.
¿ Estamos muitos felizes. Ficamos aqui gritando por dois dias ¿ disse Pan Jianjun, um parente da mulher grávida. ¿ Mas ainda há três pessoas lá dentro fazendo barulho.