Título: Desigualdade movida a imposto
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 16/05/2008, Economia, p. 27

CARGA EXTRA

Estudo do Ipea mostra que mais pobres têm um terço da renda engolido por tributos

Osistema tributário brasileiro continua contribuindo para a elevada desigualdade no Brasil, mostra um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentado ontem. A principal barreira é o fato de a maior parte dos tributos taxar ricos e pobres da mesma forma - caso do ICMS e do IPTU, por exemplo. Pelos cálculos do Ipea, esta distorção faz com que a parcela dos 10% mais pobres da população tenham 32,8% de sua renda destinados ao pagamento de impostos diretos e indiretos, enquanto para os 10% mais ricos a participação é de 22,7%. Não por menos, salientou o presidente do órgão, Márcio Pochmann, o topo da pirâmide se apropria de 75,4% da riqueza nacional.

- As mansões pagam menos impostos que as favelas e essas ainda não têm serviços públicos como água, esgoto e coleta de lixo - disparou Pochmann. - Quem é pobre no Brasil está condenado a pagar mais imposto.

Porém, de forma absoluta, a parcela da população que arca com a maior carga tributária, nas contas do Ipea, é a que recebe mensalmente entre cinco e 30 salários mínimos (R$2.075 a R$12.450). Ou seja, a classe média assalariada.

Ao apresentar o levantamento, durante debate sobre a reforma tributária, Pochmann apontou o ICMS como o pior imposto do país e defendeu com veemência mudanças no Imposto de Renda (IR), apesar de considerá-lo o menos injusto por ser progressivo - tributando mais quem ganha mais.

Economista elogia modelo de militares

Pochmann mostrou-se também alinhado com o presidente Lula, que recentemente elogiou várias vezes o período militar. O presidente do Ipea criticou a existência hoje de apenas duas faixas de IR - de 15% e 27,5% - e disse que no regime militar o imposto era mais bem estruturado, com cinco faixas. Na sua opinião, poderiam ser adotadas alíquotas máximas de 40% a 50% para rendas bem altas e alíquotas mínimas entre 3% e 5%:

- A primeira faixa, de 15%, é alta e a última, de 27,5%, é baixa. De 1979 a 1982, tínhamos 12 faixas. No regime militar, tínhamos mais redução das iniqüidades. Temos que pensar na progressividade dos tributos.

Quando apresentou a reforma tributária, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a anunciar que viriam mudanças, com a adoção de novas alíquotas para aliviar o peso do imposto sobre a classe média. Mas ficou só na promessa.

Quanto ao ICMS, Pochmann o considera "fortemente estimulador da desigualdade". Enquanto abocanha 16% da renda dos 10% mais pobres, do topo da pirâmide, o imposto só consome 5,7%. A proposta de reforma tributária enviada pelo governo ao Congresso prevê a criação de um novo ICMS, com cobrança no destino e promessa de acabar com a guerra fiscal.

Outro exemplo de distorção apontado foi o IPTU. Os mais pobres recolhem 1,8% da renda com esta fim, enquanto os mais ricos, 1,4%. Não surpreende Pochmann que, com esse sistema de tributação, o Brasil tenha um "lamentável" índice de Gini - que mede a desigualdade de uma população, sendo 0 a igualdade perfeita e 1 a concentração total de renda - de 0,56, pior do que o registrado no regime militar.

Pochmann disse que carga tributária líquida - excluindo pagamento de juros, subsídios dados às empresas, transferências previdenciárias e assistenciais e transferências para instituições privadas e sem fins lucrativos - está em 12,1% do PIB, contra carga global de 35,7%. Isso mostra que sobram poucos recursos para o governo ampliar serviços à sociedade.

O levantamento ainda mostra o peso dos impostos em cada estado. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem a segunda maior carga tributária do Brasil, com 35,9% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, perdendo só para Brasília, que fica com 48,4%. O Estado do Rio ainda apresentou a segunda maior taxa de crescimento dessa carga, com alta de 10,94% entre 1995 e 2005.

O presidente do Ipea afirmou ainda que, em princípio, a proposta de reforma tributária do governo não promove a igualdade de renda.

- Não temos uma avaliação (formal) de qual o sentido da reforma tributária em relação à desigualdade. Mas não percebo nela o princípio que busque a eqüidade fiscal, não é o objetivo. Não acredito que ela terá impacto, para o bem ou para o mal, nas desigualdades sociais.

Pochmann ainda lamentou o fim da CPMF e defendeu a criação de novos impostos, como o Imposto Sobre Grandes Fortunas e outros que consigam taxar a "riqueza imaterial", aquela que circula no mercado.

- A CPMF era um imposto moderno, que conversava com o futuro - lamentou Pochmann.