Título: Os bagres e a soja
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 16/05/2008, Economia, p. 28

O novo ministro do Meio Ambiente, o petista Carlos Minc, usou o limão da entrevista que deu em Paris, antes de ser confirmado no cargo, para fazer uma limonada. Poucas vezes um político deu uma entrevista tão franca e esclarecedora quanto a dele na quarta-feira, e ontem o que parecia temor e fraqueza transformou-se em exigências para aceitar o cargo. Pela nova entrevista, as declarações anteriores não foram dadas sem querer, mas representam recados que enviou sobre o que pensa a respeito dos principais problemas ambientais do país, em busca do apoio institucional do presidente Lula. Mesmo que tenha falado demais sem se aperceber da gravidade do que dizia, Minc teve capacidade política de reverter a situação, colocando nas mãos de Lula a aceitação de sua maneira de ser ministro.

Minc foi escolhido por que, além de se dar bem com a superministra Dilma Rousseff, o governador Sérgio Cabral elogiou para o presidente Lula a maneira "moderna" com que lidava com a questão ambiental no Rio, dizendo não quando tem que ser não, e sim quando pode, sem rodeios.

Lula, às voltas com detalhes ambientais que despreza, como a preservação dos bagres do Rio Madeira, atrasando a construção de uma hidrelétrica, estava encantado com a atuação de Minc, a quem elogiou publicamente num desses comícios do PAC no Rio.

Ontem, em Paris, Minc confirmou a fama que tem de liberar licenciamentos com rapidez, prometendo remover entraves burocráticos desnecessários, o que deve ter sido música para os ouvidos de Lula.

Anteriormente, ele já havia dito que, a nível nacional, o problema da burocracia "é muito maior, a estrutura do Ibama é mais pesada, entraves na legislação são terríveis".

Mas, ao mesmo tempo, Minc confirmou que barrará projetos, mesmo que sejam milionários, se não estiverem de acordo com a legislação. No dia anterior, Minc havia feito uma análise do momento atual, "um momento muito especial".

Segundo ele, "muito investimento que significa muito licenciamento. Como é que um governante vai aceitar dizer não para um investimento de R$1 bilhão?", perguntou, deixando no ar uma dúvida sobre seu próprio comportamento diante de um impasse desse tipo.

Portanto, a franqueza com que Minc tratou dos problemas políticos que um ministro do Meio Ambiente enfrenta no Brasil, num momento de crescimento, significava apenas que pensava em voz alta, o que não é comum a políticos, ainda mais com microfones diante de si.

Mesmo que imaginasse que não viria a ser confirmado no cargo, para o qual fora convidado e depois desconvidado, Minc continuava sendo secretário de Estado do Ambiente do Rio, e é admirável (e estranhável) que tenha reconhecido tão claramente os problemas que enfrenta, a começar por sua falta de experiência no Executivo, onde está há apenas um ano.

"O Rio de Janeiro, eu conheço bem, o Brasil, eu conheço muito mal", disse Minc com todas as letras. Coloquialmente, lembrou que não tinha experiência "nem de síndico", e que antes do Comperj não havia licenciado "nem uma padaria". Minc se referia ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, um investimento da Petrobras numa área de 45 milhões de metros quadrados no município de Itaboraí, com investimentos previstos em torno de US$ 8,38 bilhões.

Falando candidamente sobre sua experiência no Rio de Janeiro, na tentativa de conter a favelização das encostas, e fazendo uma correlação com os problemas de preservação da Amazônia, Carlos Minc ressaltou que mesmo sendo o Rio "pequenininho" e tendo "toda a imprensa, toda a Justiça, todos lá, em cima, é uma complicação, agora imaginem na Amazônia, com vários governadores jogando do outro lado".

Minc classificou as pressões por conta da reserva indígena Raposa Serra do Sol como "uma guerra", e lembrou que quando começou a operação contra o desmatamento, "cinco mil cercaram as pessoas do Ibama".

A solução para Minc é incorporar as populações em práticas defensivas, o que significa ter em áreas já degradadas indústrias de pouco potencial poluidor. Em vez de ter a lógica de avançar cada vez mais para o coração da floresta, consolidar, como está previsto no Plano da Amazônia Sustentável (PAS). "Mas aplicar não é evidente, depende da iniciativa privada, dos governos locais."

O petista defende o incentivo econômico às populações para que se engajem na preservação, especialmente na Amazônia e, assim como a ex-ministra Marina Silva, quer tirar do ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, a coordenação do PAS.

Citou ainda nominalmente o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, que, segundo Minc, sendo o maior produtor de soja do mundo e tendo a "polícia na mão, se deixar, planta soja até nos Andes".

O governador citado por Minc é um dos que "jogam contra", e é o mesmo que acusa os dados do Ibama sobre desmatamento de estarem errados, com desvios técnicos de pelo menos 30%, e que culpa a ação dos ecologistas pela alta do preço dos alimentos.

Caberá a Carlos Minc provar a Lula que a preservação ambiental não provoca inflação de alimentos. Até o momento, Maggi tem conseguido sensibilizar o presidente, interessado tanto nos biocombustíveis quanto no barateamento dos alimentos, uma conta que muitos consideram impossível de fechar, mas que Maggi promete resolver.

Lula, que se preocupa mais com a inflação da cesta básica do que com a preservação dos bagres, por enquanto está mais para Maggi, aquele que, segundo Minc, "se deixar, planta soja até nos Andes".