Título: A burocracia é a mãe da corrupção
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 16/05/2008, O País, p. 3

CRISE DE AMBIENTE

Em sua primeira entrevista, Minc defende mais agilidade no licenciamento ambiental

Deborah Berlinck

Em entrevista ontem em Paris, o futuro ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT), defendeu a aprovação de uma nova lei de licenciamentos ambientais, que diminua a burocracia para a aprovação das obras, mas aumente o rigor técnico das decisões. Segundo Minc, a burocracia "é a mãe da corrupção". Criticado por ambientalistas pela presteza com que concedeu licenças ambientais no Estado do Rio, Minc defendeu um licenciamento com regras claras e objetivas, para evitar a indefinição e uma espera muito grande. Em uma hora de entrevista, repleta de tiradas de humor ("Lula não me faria pagar um Minc leão dourado" no governo), ele admitiu que não conhece a Amazônia em detalhes, embora tenha sido tema de sua tese de doutorado. A seguir, os principais trechos:

CONVITE: "Quero deixar bem claro o seguinte: um, eu não pedi. Dois, eu não sabia. Três, tenho um mandato parlamentar. Se der errado, volto para o Rio de Janeiro. Não estava no meu plano. Não conheço o Brasil como conheço o Rio. O governador me ligou quatro vezes. E depois Lula me ligou mais de uma vez, dizendo que não era um convite, era uma intimação. Depois das garantias que o presidente me deu, eu aceitei, em tese. Isso será concretizado na conversa na segunda-feira. Lula me conhece há mais de 20 anos. Não imagino que ele faria com que nós pagássemos um duplo mico, no meu caso um Minc leão dourado."

GARANTIAS DE LULA: "Disse para Lula as condições de trabalho que o Sérgio Cabral me deu. O mínimo que ele tem que me dar são as mesmas condições. Tive financiamento, não houve nenhuma interferência na montagem da minha equipe, e não teve licenciamentos por imposição política. O presidente disse: "Claro"."

CARTA VERDE: "O Lula topa tudo. Mas topa tudo porque é meu amigo, quer muito, eu estou longe e não começaram as pressões de gente querendo meter alguém aqui e ali no Ministério do Meio Ambiente. Não vai meter ninguém! O Lula me deu carta verde para montar a equipe."

POLÍTICA INDUSTRIAL: "Como é que o meio ambiente está fora das discussões de política industrial? Meu Deus do céu! Disse para Lula que era inaceitável. Conversei com o Luciano Coutinho, do BNDES, que é preciso colocar a questão de tecnologia limpa nos créditos de investimentos. Lula achou muito bem. Mas isso foi uma conversa telefônica. Vamos ver na segunda-feira o que vai acontecer."

AMAZÔNIA: "Eu não conheço a Amazônia em detalhes, embora minha tese de doutorado tenha sido sobre a Amazônia, comparação de modelos de colonização do Pará e de Rondônia. Fiz as pesquisas lá e defendi tese na França. Não tem por que dizer para as pessoas que eu conheço o Pantanal, que eu conheço profundamente todos os problemas da Amazônia. Não é verdade. Claro que as pessoas se cercam de equipes e têm que ter força política."

GUERRA COM O AGRONEGÓCIO: "Se eu for ministro, não será derrubado um hectare da Floresta Amazônica para plantar plantas que produzam biodiesel ou etanol. Se eu for ministro, isso não acontecerá."

LICENCIAMENTO: "É necessária uma nova lei de licenciamento que aumente o rigor dos grandes impactos e diminua a burocracia, que é a mãe da corrupção. Licenciamento com regras claras e objetivas, ainda que em condições drásticas, é mais interessante do que uma indefinição e espera muito grande."

FINANCIAMENTO: "Eu disse para o Lula: tenho mais dinheiro para o meio ambiente no Rio de Janeiro do que a Marina tem para o país. Não tem sentido. Ele não se opôs. Mas à distância é mais fácil não se opor a nada. Quero ver na segunda-feira, no tête-à-tête."

DESMATAMENTO: "Se alguém acha que, com a minha história, eu vou para lá (Brasília) ser um anti-Marina, abrir a Amazônia para capital interno e internacional, abrir as pernas para a Amazônia virar um quintal, está absolutamente equivocado. O fator principal do desmatamento da Amazônia não é a soja, é o gado. Tem que ter mecanismos que estimulem e premiem a preservação, como o ICMS verde que adotamos no Rio, que faz com que os prefeitos que tomam uma série de atitudes ambientais recebam mais."

PROJETOS DA AMAZÔNIA: "Minha idéia é aprofundar a política de defesa da Amazônia, dos ecossistemas. Pretendo aproveitar uma boa parte da equipe da Marina. O PAS (Programa Amazônia Sustentável) é um bom plano. Mas tem que ter mais recursos e mais gente para cuidar das reservas. Quero fundir o PAS com um plano chamado Desmatamento Zero em sete anos para a Amazônia, elaborado por várias ONGs, com apoio do Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES."

MARINA SILVA: "Sou amigo, fiel e admiro. Acho que ela foi a melhor ministra de Meio ambiente do Brasil. Uma mulher corajosa, com fragilidade de saúde, mas que deu a vida pela Amazônia. Partimos das mesmas idéias. Vou conversar com ela na segunda-feira."

JORGE VIANA: "Vou propor ao Lula na segunda-feira que Jorge Viana seja o coordenador-executivo do Programa Amazônia Sustentável. O coordenador político do PAS quem decide é o presidente da República. Não sou presidente, nem sou ministro. O Unger? Esta é uma decisão. Mas decisões podem ser mudadas."

MANGABEIRA UNGER: "Ele é um ministro. Estou falando em Jorge Viana como executor local da política (do PAS). Mangabeira Unger fica em Brasília. Cuida de problemas de tecnologia, defesa nacional, ciência e tecnologia. É um ministro que pensa o futuro. É um pensador, um pesquisador, uma pessoa importante dentro da academia".

PRESSÕES:"Política, democracia são feitas de pressões. Fazem parte do dia-a-dia. Só quem não tem pressão é ditador, que faz julgamento sumário e fuzilamento. Pergunta aos empresários do Rio como eu lido com eles: eu cuido bem deles!"

MINISTRO EXPLOSIVO: "Minha última ação antes de vir para Paris: estive na Ilha Grande explodindo com dinamite uma pista clandestina dentro de uma unidade de conservação. Esta é outra característica minha. Num dia só, explodimos 23 pontos clandestinos de carvão ilegais nas nascentes do Rio Caceribu e eu vou continuar a fazer isso. Sou midiático e continuarei midiático. Não vou virar vidraça, não vou me enforcar na gravata. Vocês vão me ver nos lugares, prendendo desmatadores, indo de helicóptero com a Polícia Federal. Vou fazer no nível federal o que fiz no Rio."

INCENTIVO ECONÔMICO: "É ilusão que vai resolver o problema da Amazônia e do Pantanal colocando um guarda atrás de cada sujeito que queira cortar árvore para vender. Isso não funciona. Tem que ter valoração da floresta e da biodiversidade."

POLÍTICA AMBIENTAL: "Não vai haver mudança na política ambiental. Vai haver mudança de método, de gestão e de incorporação a outras questões que o Meio Ambiente não estava incorporando."

SANEAMENTO: "Falei para Lula que achava inacreditável que a questão de saneamento tenha saído da área ambiental. A pior causa da poluição é o esgoto sem tratamento. Ele (Lula) também garantiu. Uma das nossas idéias é fazer um plano decenal de saneamento, com investimentos brutais, da ordem de bilhões de reais por ano."

DESAFIO: "Eu tenho sérias dúvidas se estarei à altura deste desafio. Não me julgo plenamente preparado para isso. Fui impelido. Neguei quatro vezes, o governador me ligou, o presidente ligou. Não aceitar ia ficar como uma grande covardia política minha."

ESTRATÉGIA: "Quero estar em cada reunião que se discuta a estratégia de desenvolvimento econômico e tecnológico do país".

CONSTRANGIMENTO: "Não me senti constrangido, porque a Marina renunciou de forma irrevogável. Se tivesse sido exonerada, eu jamais aceitaria".

BIOMBO VERDE: "Eu espero ter força política. Se alguém tiver que fazer o papel de um biombo verde de uma política predatória, este alguém não serei eu!"