Título: Aparecido confessa e é indiciado
Autor: Carvalho, Jailton de; Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 17/05/2008, O País, p. 3

CRISE DO DOSSIÊ

Ex-secretário isenta Dilma e Erenice, mas não explica por que enviou dossiê à oposição

Oex-secretário de Controle Interno da Casa Civil José Aparecido Pires Nunes foi indiciado ontem pelo delegado Sérgio Menezes, da Polícia Federal, por quebra de sigilo funcional. Ao depor sobre o caso, por mais de duas horas, Aparecido confessou ter enviado o dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a André Fernandes, assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Mas isentou de responsabilidade no episódio a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, segundo informou seu advogado Luiz Maximiliano Telesca.

Aparecido disse ao delegado ter recebido o material pronto de outro servidor da Casa Civil, antes de encaminhá-lo ao gabinete de Álvaro Dias. E repetiu as palavras de Dilma ao dizer que as planilhas não formavam um dossiê, e sim um "banco de dados".

- Não houve qualquer pedido da Erenice ou da ministra Dilma para que Aparecido montasse ou divulgasse o dossiê, que na verdade era apenas um banco de dados - disse Telesca.

O advogado não quis contar os motivos que levaram o ex-secretário a passar o dossiê a um parlamentar da oposição. Mas disse que Aparecido agiu de forma consciente ao anexar a planilha de gastos ao e-mail enviado a André:

- Ele confirmou que saiu da máquina dele, e que não foi por engano ou descuido. Isso ele não tem como negar.

Confissão e queixa de linchamento público

Apesar de ter assumido sozinho a culpa pelo episódio, Aparecido estaria profundamente abalado com o escândalo. Segundo seu advogado, ele se considera "vítima de um linchamento público" e julga estar "no centro de uma guerra política entre governo e oposição".

A ameaça de prisão em flagrante por desacato, levantada por parlamentares da CPI do Cartão Corporativo, parece ter convencido o ex-secretário a falar em seu depoimento no Congresso, marcado para terça-feira. Anteontem, o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, negara seu pedido de habeas corpus preventivo para ter o direito de ficar em silêncio durante a sessão e não ser preso.

- Aparecido não tem a intenção de ficar calado. Ele vai colaborar com a CPI - disse o advogado, que classificou o pedido de habeas corpus como uma salvaguarda necessária contra a oposição:

- Há precedentes perigosos de abuso de poder em CPIs.

Aparecido foi enquadrado pelo delegado da PF no artigo 325 do Código Penal, que prevê pena de até seis anos de prisão para servidor público que divulga dados sigilosos. Ele também confirmou ao delegado Menezes que recebeu a planilha sobre os gastos de um dos seis servidores da comissão encarregada de montar um banco de dados sobre gastos da Presidência com cartões corporativos e contas B desde 1998. O delegado ainda vai interrogar outras pessoas mas, para ele, só falta a perícia para reforçar as provas sobre o vazamento do dossiê.

Pelas informações da polícia e da Comissão de Sindicância Interna da Casa Civil, Aparecido é o principal responsável pela divulgação dos dados sobre o ex-presidente Fernando Henrique. Ele recebeu a planilha sobre os gastos e a enviou, por e-mail, a André Fernandes. O senador Álvaro Dias teria repassado o documento à imprensa. Ainda falta esclarecer se Aparecido agiu por ordem superiores ou se tomou iniciativa de passar o dossiê por conta própria.

O indiciamento de Aparecido deu-se a partir de uma interpretação da Lei 10.180, sobre o funcionalismo público. O texto diz que é crime "revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação". O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) informou à PF que as informações deixaram de ser sigilosas em dezembro, quando terminou o prazo de cinco anos de proteção aos dados do ex-presidente. Mas, para Menezes, a reclassificação dos dados do GSI não exime Aparecido de responsabilidade no episódio.

Lei de 2001 determina o sigilo

Pela Lei 10.180, de 2001, que trata especialmente dos deveres dos servidores vinculados às áreas de controle interno da administração pública, como era o caso de Aparecido, "o servidor deverá guardar sigilo sobre dados e informações pertinentes aos assuntos a que tiver acesso em decorrência do exercício de suas funções, utilizando-os, exclusivamente, para a elaboração de pareceres e relatórios destinados à autoridade competente, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal".

O depoimento do ex-secretário começou por volta das 10h30m e terminou mais de duas horas depois. Ele respondeu a todas as perguntas de Sérgio Menezes. Aparecido chegou e saiu do prédio da PF acompanhado dos advogados Luiz Maximiliano Telesca e Carolina Petrarca, e não deu entrevistas. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, disse não ter tomado conhecimento do teor do depoimento de Aparecido, mas avaliou que Dilma permanece blindada.

O indiciamento de Aparecido não deve mudar seu comportamento, segundo o advogado. Ele já esperava ser alvo do inquérito desde que a PF entrou no caso, já que seu computador foi periciado pelos policiais e pelos técnicos do Instituto de Tecnologia da Informação (ITI), que auxiliou a sindicância interna da Casa Civil. De acordo com Telesca, o ex-secretário não pretende mais culpar Erenice pela montagem do dossiê - como chegou a ameaçar, em recados enviados ao Planalto - porque "não estaria falando a verdade".

Em sua defesa, Aparecido pretende alegar à Justiça que não houve crime no vazamento das informações, porque ele teria agido sem má-fé ao repassar dados para um computador do Senado. Além disso, ele espera se beneficiar da decisão do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de classificar como não-sigilosos os gastos do ex-presidente Fernando Henrique.