Título: Propina em conta corrente
Autor: Colon, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 11/05/2009, Política, p. 2

Para ter vantagens em concorrências na Abin, empresa terceirizada depositava todo mês dinheiro a servidor da agência

O pagamento de propina com dinheiro vivo em mala virou coisa do passado. Uma perícia da Polícia Federal revela a ousadia do esquema da terceirização de mão de obra em Brasília. Na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o dinheiro escuso é depositado em conta corrente. Um servidor do órgão recebeu R$ 188 mil, distribuídos em 99 depósitos, da Conservo, empresa do ramo de terceirização, na própria conta numa agência do Banco do Brasil. Foram transferidos mensalmente para a conta dele valores entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil num período de dois anos. Em troca deste ¿salário¿, o funcionário teria facilitado a vida da empresa em licitações dentro da Abin.

O Ministério Público Federal acusa, desde 2006, o servidor Geraldo Luiz Ferreira dos Santos de receber vantagem indevida para fraudar concorrências a favor da Conservo. Não se sabia, no entanto, como e quanto ele teria recebido. O mistério sobre essa ¿vantagem¿ começa a ser desvendado agora em 2009.

Em 25 de março deste ano, a procuradora da República Luciana Marcelino Martins anexou ao processo na Justiça Federal uma perícia da Polícia Federal no sigilo bancário do servidor. O Correio teve acesso ao documento, que mostra depósitos da Conservo na conta de Geraldo dos Santos entre julho de 2004 e junho 2006.

Assistente-administrativo da Abin, Geraldo já é réu numa ação penal sob a acusação de ajudar a Conservo. O servidor da Abin chegou a ser preso pela PF na Operação Mão de Obra, em 2006, foi solto e continua trabalhando no órgão, onde entrou em 1982. ¿A análise do sigilo bancário do réu comprovou que ele recebeu das empresas pelo menos o montante de R$ 188 mil¿, diz a procuradora em seu ofício de número 81/2009.

Renda única Em depoimento à Polícia Federal em julho de 2006, quando foi preso, Geraldo declarou ¿que não possui nenhum outro tipo de renda¿ que não seja da Abin. Os advogados dele e do dono da Conservo, Victor João Cúgola, foram notificados na terça-feira passada a ter acesso ao documento da PF. Os dados mostram que o servidor recebia dinheiro em depósitos picados de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil num mesmo mês.

A Conservo Brasília Empresa de Segurança arcou com R$ 136 mil, em 59 depósitos: R$ 26 mil em 2004, R$ 77 mil em 2005 e o restante em 2006. Já o braço de serviços técnicos da empresa creditou R$ 52 mil, por meio de 40 transferências para a conta do servidor, no mesmo período. Os valores podem ser ainda maiores, segundo a perícia da PF: ¿Outra constatação a que se chegou foi que, no mesmo arquivo, apareceram alguns depósitos não identificados que podem ser das empresas em análise¿, diz o perito responsável pelo laudo. Esses depósitos suspeitos correspondem a R$ 35 mil. Somando esse valor aos R$ 188 mil, o montante que Geraldo dos Santos recebeu no período chega a R$ 223 mil. O Ministério Público Federal pediu o sequestro dos bens do servidor.