Título: Ação civil quer responsabilizar Ustra por tortura
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 16/05/2008, O País, p. 12
Para MPF, Lei da Anistia não perdoa violações de direitos humanos
Ricardo Galhardo
SÃO PAULO. O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ontem ação civil pública contra os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel por supostos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). Ustra e Maciel comandaram entre 1970 e 1976 o temido Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), em São Paulo. No período, cerca de 7 mil passaram pelo Doi-Codi, e 64 pessoas morreram ou desapareceram. Entre os mortos mais conhecidos estão o jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975, e o operário Manoel Fiel Filho, em 1976.
Na ação, os procuradores pedem três coisas: que Ustra e Maciel sejam obrigados a reembolsar a União pelas indenizações a ex-presos políticos que passaram pelo Doi-Codi; uma declaração das Forças Armadas de que os dois comandaram um centro de tortura, homicídios e prisões ilegais; e que a União revele nomes e circunstâncias das prisões de todos os mais de 7 mil que passaram pelo local.
Mudança de regime não sepulta violações, diz MPF
A ação é histórica, pois os seis procuradores se basearam em princípios do direito internacional e na Constituição Federal para driblar a Lei da Anistia, de 1979: "Com efeito, a responsabilização dos agentes é uma das medidas indispensáveis. Isto, entretanto, pode parecer inusitado, pois foi constituído no imaginário de parte significativa da população um senso de impossibilidade e desnecessidade de promoção da Justiça, principalmente por força da Lei da Anistia", diz a ação.
E segue: "A passagem institucional de um governo de exceção para um democrático não é suficiente para reconciliar a sociedade e sepultar as violações a direitos humanos ocorridos no bojo de conflitos armados ou de regimes autoritários". Para eles, a impunidade aos torturadores do passado estimula a prática no presente.
A argumentação é fruto de um seminário realizado em maio de 2007, com a participação de especialistas estrangeiros em direito internacional, sobre o direito à verdade sobre o que ocorreu nos anos de chumbo. O modelo da ação pode ser replicado em outros estados. Os procuradores também querem ajuizar ações penais.
Como se trata de ação civil, mesmo se condenados, Ustra e Maciel não iriam para a cadeia. O Ministério Público pretende ajuizar ações semelhantes contra outros agentes do Doi-Codi subordinados a Ustra e Maciel. Eles foram os primeiros porque, entre os vivos, ocuparam os mais altos postos hierárquicos. Maciel não foi localizado ontem. O advogado de Ustra, o Paulo Esteves, foi procurado mas não respondeu às ligações.