Título: A doce vida na Assembléia Legislativa do Rio
Autor:
Fonte: O Globo, 18/05/2008, O Globo, p. 19

Com itens como 17 toneladas de açúcar, carro do ano e gasolina, Casa gastou R$R$442 milhões em 2007

A vida é doce no Palácio Tiradentes, sede do Legislativo fluminense. No ano passado, a Alerj adquiriu 17 toneladas de açúcar. É volume suficiente para adoçar 3,4 milhões de cafezinhos de 50ml ou fazer 113,3 mil bolos de festa. A conta ficou em R$22,2 mil e o preço pago (R$1,31 o quilo) foi 33% mais alto que o do mesmo produto comprado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão vinculado ao Legislativo.

No mesmo ano, a Casa adquiriu 2,4 toneladas de café torrado e moído. A quantidade, de acordo com nutricionistas, daria para produzir 24 mil litros de café ou 480 mil xícaras (de 50ml) de cafezinho.

Levando em conta os 250 dias úteis de trabalho no ano passado, as 17 toneladas de açúcar dariam para adoçar 13,6 mil cafezinhos por dia. A Alerj informa que o produto foi comprado para mais de um ano. Mas o açúcar e o café adquiridos não chegam aos 70 gabinetes dos deputados: são para a presidência, o plenário e as comissões, que não são freqüentadas por mais de 300 pessoas por dia. Segundo a Alerj, os produtos também vão para outros cinco prédios da Casa e para o lanche dos funcionários terceirizados.

Quem forneceu o café e o açúcar foi a empresa Estação dos Doces, que, só no ano passado, figurou em empenhos da Alerj no valor total de R$140 mil para vários produtos. É uma loja na Favela Tijuquinha, na Barra. Não precisou participar de licitação: a compra foi dividida em três negócios no ano, de menos de R$8 mil (acima desse valor, a lei impõe a concorrência pública).

Assembléia do Rio é uma das mais caras do país

Não por acaso, a Assembléia do Rio é uma das mais caras do país. O prédio, malconservado, é uma jóia da arquitetura. O plenário fica sob um grande vitral, que retrata o céu na noite de 15 de novembro de 1889, quando o Brasil virou República. O local abriga 70 deputados.

A Casa custou R$442 milhões no ano passado (sem contar inativos). Este ano, o orçamento previsto é de R$504,7 milhões. Em São Paulo, o Legislativo (que inclui o TCE) consome o equivalente a 1% da receita de impostos. No Rio, o índice é 6%. Cada habitante do estado vai desembolsar este ano R$32,73 para sustentar seus deputados, enquanto os paulistas darão R$11,08, segundo estudo da ONG Transparência Brasil (TBrasil).

Não há motivos para queixas no Palácio Tiradentes. Cada deputado pode chegar a ter até 60 assessores nomeados. Se for líder de partido e presidente de comissão, pode ter 64. Reunidos, não caberiam no espaço dos gabinetes, que têm no máximo 80 metros quadrados.

Este ano, duas deputadas foram cassadas por envolvimento num esquema que ficou conhecido como bolsa-fraude. Outros 11 são suspeitos de estarem envolvidos no mesmo esquema. E 27 já respondem a processos em tribunais eleitorais, de Contas ou criminais, de acordo com levantamento da TBrasil.

Cada deputado recebe um carro - a frota renovada em 2007 custou R$3,3 milhões (R$47,8 mil por modelo Bora). Tem também cota mensal de R$2.085 para combustível. O total de gastos com combustível dos deputado e da direção da Casa foi de R$2,7 milhões em 2007. Ao preço de R$2,50 o litro de gasolina, o total daria para 1.080.000 litros. Um carro que percorra 12,3 quilômetros por litro andaria 13,2 milhões de quilômetros. Equivale a 17 viagens de ida e volta à Lua, a 384 mil quilômetros.

No ano passado, foram R$5,7 milhões para a TV Alerj e mais R$8,9 milhões para propaganda e publicidade - valor similar ao que o governo estadual pagou por dois dos novos trens coreanos, com ar-condicionado, que servem a 350 mil pessoas.

Homenagens estão entre iniciativas mais freqüentes

No plenário, para cada projeto relevante, os deputados apresentaram cinco supérfluos. Dez deles se uniram em uma proposta de proibição de "festa rave ou similares". Argumentaram com 646 palavras e concluíram: "Não é admissível uma festa com duração, consecutiva, de mais de 36 horas. O ser humano, no seu estado normal, não resiste".

Produziram mais de oito mil moções de saudações, solidariedade e de pesar, títulos honoríficos e medalhas. O presidente da outrora obscura Comissão de Normas Internas e Proposições Externas, Marcos Abrahão (PSL), é o relator de todos os pedidos e se tornou um dos personagens mais requisitados da Casa. Acusado e absolvido em primeira instância pelo homicídio de um colega parlamentar, Abrahão escapou da cassação em 2003. No segundo mandato, vive a experiência do assédio:

- Sofro para caramba. E não consigo dizer não a colega - diz, sorrindo. - Os deputados só poderiam dar duas medalhinhas por ano (é a regra do Regimento Interno). Mas, pediu, eu dou mesmo. Às vezes, ele não quer nem homenagear alguém realmente importante, mas fazer aquela politicazinha dele, agradar a um líder comunitário que vai ajudá-lo na eleição.