Título: Produzir é o que importa
Autor: Paret, Benito
Fonte: O Globo, 19/05/2008, Opinião, p. 7

Ofracasso das tentativas oficiais para transformar o Brasil num grande exportador de software resulta, invariavelmente, de um erro conceitual: o de que bastaria, para isso, incentivar as empresas para que exportassem. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) é bom exemplo disso. Quando foi anunciada, em 2004, ela se propunha a elevar as exportações brasileiras de software dos US$100 milhões, na época, para US$2 bilhões por ano, em quatro anos. Mas apesar de todos os incentivos fiscais concedidos às exportadoras, o país fechou 2007 com vendas externas estimadas em US$250 milhões. Um resultado muito aquém do esperado.

O que não funcionou, nessas iniciativas, foi a idéia de que um país pode se tornar um grande exportador sem ter internamente, como suporte, uma indústria consolidada. O crescimento das exportações será, sempre, resultado natural do crescimento do mercado interno. Só um mercado interno robusto é capaz de sustentar empresas exportadoras competitivas.

A chamada Lei de Informática de 1991, atualizada em 2004, é um conjunto de incentivos voltados para a indústria de hardware. E a maioria dessa indústria, no Brasil, está nas mãos de empresas multinacionais, que só fazem importar de suas matrizes o que desenvolveram lá fora. A PITCE, na outra ponta, estava voltada principalmente para as empresas exportadoras de serviços. Ambas padecem de um defeito original: estão direcionadas para áreas específicas do espectro industrial. Não tocam no essencial.

A renúncia fiscal prevista na Lei de Informática somou, em 2006, R$3 bilhões. Como contrapartida legal, as empresas beneficiadas foram obrigadas a investir R$422 milhões, em P&D, no mesmo ano. Mas, na prática, 75% desses investimentos foram em projetos intramuros. Projetos sem um claro controle dos benefícios produzidos para o país. Apenas 25% desses recursos destinaram-se a projetos externos ou aportes no FNDCT. Como a vigência dessa lei vai até 2019, a renúncia fiscal produzida por ela terá sido superior a R$500 bilhões, em 29 anos, sem se saber com clareza onde foram aplicados. É volume de recursos alto demais para ser mantido numa caixa-preta.

Agora, o governo federal divulga a Política de Desenvolvimento Produtivo, substituindo a PITCE, e contemplando novamente a área de tecnologia da informação. Comete-se o mesmo erro de 2004 privilegiando as empresas exportadoras através da desoneração de suas folhas de pagamento e de incentivos à capacitação de recursos humanos. Esta seria a hora de se incentivar as milhares de pequenas e médias empresas brasileiras de software, apoiando-as de forma a que aumentem sua participação no mercado interno, hoje reduzida a menos de 20% do total. O que o país precisa é de uma indústria de software robusta. O aumento das exportações virá por acréscimo. Por que, por exemplo, não se criar uma pequena alíquota sobre o enorme volume de software importado para formar um fundo de apoio à indústria nacional? Ou, pelo menos, que se direcione parte dos incentivos da Lei de Informática para ela. Já vai longe o tempo em que se acreditava que "exportar é o que importa".

BENITO PARET é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Estado do Rio de Janeiro.

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