Título: Delegado é executado
Autor: Kopschitz, Isabel ; Caballero, Miguel
Fonte: O Globo, 19/05/2008, Rio, p. 9

Criminoso matou policial com tiro na nuca dentro de supermercado no Recreio.

Um assassinato ocorrido ontem no Recreio dos Bandeirantes está sendo visto como uma afronta ao estado. Ao entrar no Supermercado Zona Sul do bairro para comprar pão, o delegado da 20ª DP (Vila Isabel), Alcides Iantorno, foi assassinado, às 8h15m, com um tiro na nuca, à queima-roupa, disparado por um homem que o seguiu até o local. Policiais, amigos e parentes do delegado, um dos quadros mais antigos da Polícia Civil, ficaram indignados com a ousadia do assassino. Antes de fugir pela porta da frente, ele ainda fez vários disparos para o alto, para assustar os fregueses.

Morador do bairro, Iantorno, de 66 anos, freqüentava o mercado todas as manhãs, sempre no mesmo horário. A polícia investiga duas hipóteses para o crime, que pode estar relacionado com ações da milícia ou do jogo do bicho, embora não esteja descartada a possibilidade de ter sido fruto de uma vingança pessoal. O chefe de Polícia Civil, Gilberto Ribeiro, disse que todos os esforços estão sendo feitos para se chegar rapidamente ao assassino, mas foi cauteloso ao comentar o caso:

¿ Ainda é cedo para afirmar a motivação do crime.

Ao que tudo indica, o homem que executou o delegado teve cúmplices e planejou o assassinato. Segundo a polícia, a PM recebeu uma ligação, pouco antes do crime, às 7h50m, informando que 15 homens armados estariam bloqueando a Estrada dos Bandeirantes, do outro lado do Recreio. Vários carros da PM foram para o local, e o crime ocorreu durante esse deslocamento de grande parte do efetivo.

Delegado descarta hipótese de assalto

A hipótese de assalto foi totalmente descartada pelo delegado Roberto Cardoso, titular da Delegacia de Homicídios (DH), responsável pelas investigações. As câmeras do circuito interno do supermercado gravaram o momento em que Iantorno foi atacado, mas, de acordo com o delegado, as imagens não são nítidas.

¿ Nada foi roubado. O que aconteceu foi uma execução. Vamos punir o autor desse crime bárbaro, que atinge todos nós, policiais. Já contamos com uma linha de investigação. Não temos conhecimento de ameaças feitas à vítima ¿ disse Cardoso.

Segundo parentes de Iantorno e policiais, o delegado pode ter sido vítima tanto de milicianos quanto de contraventores. Ele esteve lotado no ano passado na 22ª DP (Penha), onde investigou a milícia da Favela Kelson¿s. Mais recentemente, na 20ª DP, Iantorno fechou um bingo. Em mais de 40 anos de polícia, ele foi diretor da Polinter e titular de várias delegacias.

`Quem cometeu esse absurdo vai pagar¿

Colegas de trabalho do Iantorno, como o delegado Fernando Moraes, ex-diretor da Divisão Anti-Seqüestro (DAS), foram para o local assim que tomaram conhecimento do crime:

¿ Quando um guardião da sociedade sofre um ataque desse tipo, toda a sociedade fica desprotegida. Ele foi meu grande professor. O Rio perdeu um de seus melhores e mais dedicados policiais ¿ disse Moraes. ¿ Nos 25 anos em que o conheço, sei que nunca esteve envolvido em nada errado. Acho muito difícil que tivesse algum inimigo, ainda mais com esse potencial de ação e com essa ousadia. Pode ter certeza de que quem cometeu esse absurdo vai pagar.

Perguntado sobre a hipótese de o assassinato ter sido cometido por um miliciano, Moraes disse:

¿ De fato, o Alcides foi muito atuante no caso da Kelson¿s. Mas prefiro não falar sobre a investigação. Acho que essas milícias são uma aberração. O policial miliciano acaba sendo dez vezes mais perigoso que um bandido, porque age de forma ilegal, mas consegue transitar livremente.

A delegada titular da 61ª (Xerém), Valéria de Castro, acompanhou a perícia desde o início e estava muito emocionada. Ela foi delegada adjunta de Iantorno na Penha.

¿ Não foi um crime só contra uma pessoa, foi contra a instituição Polícia. Ele era um profissional extremamente correto e dedicado: o primeiro a chegar à delegacia e o último a sair. Ele era como um pai para mim. Tinha um profundo respeito por ele ¿ disse Valéria de Castro.

Lotado na Divisão Anti-Seqüestro, o filho de Iantorno, o policial Alcides Iantorno Júnior, chegou ao local cerca de uma hora após o crime e, muito abalado, não quis falar com a imprensa. O enterro de Iantorno será hoje, para que seu outro filho, que vive em Manaus, possa chegar a tempo. Segundo Milton Iantorno, irmão mais novo do delegado, o policial não tinha inimigos e sequer andava armado:

¿ A família está chocada. A gente não entende o porquê dessa barbaridade.

Durante todo o dia de ontem, equipes da Divisão de Homicídios, da DH Oeste e da 16ª DP (Barra da Tijuca) fizeram investigações pela cidade, ouvindo testemunhas e procurando pistas do carro do assassino.

Ainda no supermercado, peritos examinaram o corpo do delegado. Segundo informações preliminares, a arma do crime teria sido uma pistola 380, tipo usado pela Polícia Militar. Ainda com base em relatos de testemunhas, o assassino já estaria esperando pelo delegado na porta do supermercado e teria desembarcado de um veículo com película escura nos vidros, que não consta como roubado no banco de dados do Detran. Graças a uma testemunha, o proprietário foi localizado e informou ter vendido o carro há alguns meses. A polícia tenta localizar o novo dono para interrogá-lo.

De acordo com policiais, o assassino vestia jeans, camisa pólo vermelha e usava um boné de cor escura para encobrir o rosto, provavelmente por conhecer a posição das câmeras do estabelecimento. O criminoso também usava uma capanga pendurada no ombro, de onde retirou a pistola. Os policiais acreditam que as testemunhas serão fundamentais na confecção do retrato falado do assassino. Pelo menos seis pessoas o teriam visto de perto.

Entre as diferentes versões do crime, uma delas é a de que o assassino entrou no supermercado logo depois de Iantorno. Ele disparou na nuca do delegado, atirou para o alto e fugiu num carro dirigido por um comparsa.

Outros moradores do bairro e freqüentadores do supermercado disseram, entretanto, ter ouvido três tiros. Segundo uma testemunha que estava na cafeteria que fica dentro do Zona Sul, houve pânico na hora dos disparos. Uma mulher contou que o delegado já entrou correndo no local.

¿ O delegado já entrou no supermercado correndo, fugindo de um sujeito grisalho que estava atrás dele, atirando ¿ contou. ¿ As pessoas se jogaram no chão, achando que era um assalto. Foi uma gritaria.

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