Título: Água escassa e cara
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 18/05/2008, Economia, p. 31

Estados começam a cobrar pelo que é usado dos rios. Indústria e consumidor pagam

O senso comum de que o Brasil é um país no qual a água é abundante e nunca vai faltar está caindo por terra. Certos de que o insumo está cada vez mais escasso, a União e os estados estão ampliando a cobrança pelo uso dos rios brasileiros, principalmente no caso da indústria e do agronegócio, para racionalizar os recursos naturais. Hoje, cerca de 20% do PIB brasileiro, distribuídos pelo interior de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, já incluíram a água em sua planilha de custos. Para o consumidor, a tendência será arcar com parte dessa conta, ainda que de forma indireta.

Os governos de Rio, Ceará, São Paulo, Paraná, Paraíba e Minas Gerais já começaram a implantar a cobrança em seus rios estaduais. A ofensiva não visa apenas ao reforço do caixa, ela é orientada pela visão estratégica e de desenvolvimento sustentável. Nas regiões Centro-Sul e Nordeste, já há escassez desse recurso.

A maior quantidade do insumo está no Norte, onde se encontram 68% da água do país, mas apenas 7% da população. No Sul e no Sudeste, onde se concentram a maior produção econômica e 58% dos brasileiros, estão apenas 13% dos recursos hídricos.

Para responder a esse fenômeno, à medida que a cobrança se espalha, as empresas estão buscando formas de reduzir seu consumo. Levantamento feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) estima que se reduziu em 20% o uso das águas das duas bacias nacionais onde já há cobrança.

O mais novo passo da cobrança foi dado na quinta-feira passada, quando cerca de 150 pessoas, entre empresários, agricultores, autoridades federais, estaduais e municipais se reuniram em Paracatu (MG), para discutir detalhes da cobrança do uso das águas da Bacia do São Francisco, maior rio brasileiro, que deve começar em 2009. Estima-se que serão arrecadados R$40 milhões por ano quando ela estiver plenamente implantada.

Recursos podem melhorar qualidade

Das empresas de Belo Horizonte aos produtores de frutas de Juazeiro e Petrolina, passando pelos responsáveis pela transposição das águas para o sertão nordestino, todos terão de pagar pela água que usarem e devolverem ao rio.

Será a terceira bacia brasileira a cobrar pelo uso deste recurso natural, ao lado das bacias do Paraíba do Sul (nas divisas de Minas, Rio e São Paulo) e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), na rica região que forma o entorno de Campinas.

Até 2003 não se pagava um centavo para retirar a água dos rios brasileiros, tampouco para devolvê-la - em pior estado - à natureza. A partir daquele ano, as empresas públicas e privadas que se abastecem do Paraíba do Sul começaram a abrir a carteira. O diagnóstico era que o Paraíba estava tão poluído que a cobrança poderia garantir recursos para melhorar sua qualidade e coibir o uso indiscriminado.

Em 2006 foi a vez da bacia do PCJ. O problema da região é outro: as concentrações industrial e populacional das últimas três décadas aumentaram de tal forma o consumo que começou a faltar água para todos. Eduardo Paschoalotti, gerente ambiental da Ripasa Celulose e Papel e vice-presidente do Comitê das Bacias PCJ, lembra que o sistema de desenvolvimento da região, que concentra cerca de 10% do PIB brasileiro, depende dos rios. Atualmente a escassez limita a instalação de novas empresas na região.

A Ripasa, que paga R$350 mil por ano pela água do rio Piracicaba, está na região desde 1959 e usa o rio não só para resfriar sua planta industrial, mas também como insumo para produção de papel e celulose. Nos últimos anos, investiu em tecnologia para reduzir a quantidade de material orgânico que devolve ao rio. De 1,7 mil quilos/dia, hoje devolve apenas 400 quilos, o que permitiu economia de R$50 mil. Já a AmBev, maior fabricante de bebidas do país, diz que reduziu em 22% o consumo de água em cinco anos.

Maior pagador do setor industrial no PCJ - recolherá este ano R$827 mil para ter acesso ao rio Atibaia -, a fabricante de insumos e produtos químicos Rhodia também desenvolveu projetos para reduzir seu consumo. Para manter os equipamentos resfriados, a empresa deixou de captar do rio o tempo todo e passou a reutilizar água por meio de um circuito fechado. Com isso, economizou o suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 500 mil habitantes.

O gerente de Meio Ambiente da Rhodia, Jorge Galgaro, lembra que o consumo inteligente está relacionado sobretudo à necessidade de ter água suficiente para garantir a produção:

- A cobrança implica em custo para a empresa, mas não é predatória nem inviabiliza a produção.

Atualmente, cobra-se relativamente pouco: R$0,01 por metro cúbico de água bruta captada, R$0,02 por metro cúbico de consumo e R$0,10 por quilo de dejetos orgânicos devolvidos no PCJ e R$0,07 no Paraíba do Sul.

A ANA espera arrecadar R$27,4 milhões este ano de 347 usuários nas duas bacias. O valor estimado supera o de 2007, que ficou em torno de R$22 milhões. O dinheiro arrecadado será transferido para as agências de água das bacias de origem (como a Serla, do Rio) para investimentos em ações de recuperação dos rios, conforme decisão dos respectivos comitês.

- Os valores são baixos para estimular o pagamento e ao mesmo tempo incentivar a redução do consumo - diz Patrick Thomas, gerente de cobrança da ANA.

Nem todo o processo foi tranqüilo. Nos primeiros meses da cobrança no Paraíba do Sul, havia desconfiança sobre o destino dos recursos. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) impetrou duas ações contra a ANA, alegando incertezas quanto à aplicação do dinheiro devolvido e a falta de pagamento por alguns setores, como o de mineração. Passou a pagar boletos em juízo. Em 2004, uma lei garantiu a vinculação dos recursos, dando credibilidade ao sistema de cobrança.