Título: Remendos para organizar as contas publicas
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 18/05/2008, Economia, p. 33
Ajuste fiscal ainda é calcanhar-de-aquiles da economia brasileira
¿Tragédia¿. É assim que Gustavo Franco define a situação encontrada no Ministério da Fazenda em maio de 1993:
¿ Murilo (Portugal, então secretário do Tesouro) pintou um quadro patético das finanças públicas ¿ afirma o ex-diretor do Banco Central, hoje à frente da Rio Bravo Investimentos.
Data desse momento pré-Real a tentativa de organizar as contas públicas. Foi criado o Fundo Social de Emergência, que depois virou a DRU e deu mais liberdade ao Orçamento. Mas também ficou a herança, nas palavras de Edmar Bacha, de diversos ¿remendos fiscais¿: a CPMF e a alta de impostos. Era preciso tapar o buraco do Orçamento que, antes, só fechava graças à inflação: as receitas eram indexadas e as despesas, não.
Bacha lembra que, perdida a oportunidade da revisão constitucional ¿ em 1993, estava prevista uma ampla reforma da carta de 1988, mas não havia apoio político para as mudanças necessárias ¿ restou ao governo equilibrar como possível as contas públicas.
¿ As condições políticas eram muito precárias. Fizemos vários remendos. E privatizamos de forma a privilegiar a arrecadação fiscal ¿ diz ele, hoje consultor sênior do Banco Itaú BBA.
A fragilidade das contas públicas é, ainda hoje, o calcanhar-de-aquiles da economia do país. Para Franco, é o principal entrave à redução dos juros:
¿ Nós economistas sempre subestimamos as dificuldades para arrumar as contas públicas, que nunca é simples, tem sempre que machucar alguém.
Lições de planos anteriores ajudaram no sucesso do Real
Se as condições políticas não permitiram avançar no ajuste fiscal, havia uma forte aposta, dos políticos, no sucesso do plano. E isso deu mais espaço para os formuladores do Real ¿ além de Bacha e Franco, os principais nomes foram Pedro Malan, Pérsio Arida e André Lara Resende ¿ trabalharem nas medidas necessárias ao plano.
¿ Os políticos tinham aprendido no Plano Cruzado que, quando você pára a inflação, você é eleito. Certa vez, o Luis Eduardo Magalhães (deputado pelo então PFL, morto em 1998) me disse: ¿Eu só quero saber se o plano vai dar certo, porque, da última vez em que vocês fizeram um plano desses, foi a única vez que eu perdi a Bahia¿ (nas eleições de 1987, após o Cruzado, Waldir Pires, então no PMDB, foi eleito governador) ¿ exemplifica Bacha.
Outras lições de planos anteriores foram importantes para o Real, destaca Franco:
¿ O Plano Cruzado, por exemplo, ensinou a tecnologia de reforma monetária, de tablita. Mas também deixou a lição de que congelamento de preços não funciona.