Título: Energia à francesa
Autor: Tavares, Mônica; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 20/05/2008, Economia, p. 19
Consórcio liderado por Suez leva usina de Jirau, no Rio Madeira, com deságio de 21%
O Consórcio Energia Sustentável do Brasil - capitaneado pela franco-belga Suez, e que tem ainda como sócias duas estatais federais e a construtora Camargo Corrêa - desbancou ontem o grupo liderado por Odebrecht e Furnas e arrematou a hidrelétrica de Jirau (RO), a segunda usina do Complexo do Madeira licitada pelo governo federal. Com proposta surpreendente, ofereceu uma tarifa de R$71,40 pelo megawatt-hora (MWh) de energia - um deságio de 21,53% sobre o teto fixado no edital, de R$91, e bem acima da expectativa de mercado, de 10%. Jirau custará pelo menos R$8,7 bilhões e vai gerar 70 mil empregos.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse que, enquanto na Europa a energia elétrica está cada vez mais cara, no Brasil acontece o contrário:
- Se fizermos um cálculo, as usinas de Santo Antônio e Jirau, juntas, representam um deságio no preço da energia de 40% - disse, em referência aos deságios de 35% sobre um teto de R$122, no caso de Santo Antônio, e de 21% de ontem.
No leilão, tudo teve jeito de revanche. A exemplo da licitação de Santo Antônio, passaram só sete minutos até que se descobrisse o vencedor. A diferença de valores não abriu espaço para que houvesse uma segunda rodada de lances - o mesmo que ocorrera em dezembro. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não divulgou o preço oferecido pelo consórcio perdedor, Jirau Energia, liderado por Odebrecht e Furnas. Nos bastidores comenta-se que teria sido de R$85,02 por MWh, 19% acima da proposta vencedora.
Odebrecht: "Fomos até o limite"
Contra Odebrecht/Furnas, grupo que ganhou a primeira hidrelétrica, reuniram-se em um mesmo consórcio quatro de seus oponentes no outro round. Suez e Eletrosul haviam disputado Santo Antônio associadas, bem como Camargo Corrêa e Chesf.
O somatório de forças teve a bênção do governo. A Aneel chegou a adiar em uma semana a licitação, para dar tempo de surgir ao menos um oponente com musculatura para competir. Liberou, para isso, Chesf e Eletrosul para fecharem negócio e garantiu que, como em Santo Antônio, o BNDES financiaria o vencedor.
A boa vontade da Aneel com os vencedores foi motivo para que o líder do consórcio Jirau Energia, Irineu Meireles, alfinetasse a agência:
- Fomos até o limite, e muito mais agressivos do que no lance do leilão de Santo Antônio. Poderíamos ter sido ainda mais agressivos, se pudéssemos ter contado com o aumento da energia assegurada. Mas, infelizmente, a Aneel não permitiu que isso ocorresse.
Apesar da queixa, especula-se no mercado que o que teve cara de confronto não passou de um acordo empresarial, pois as obras são vultosas e de engenharia financeira delicada.
Para o professor Nivalde Castro, da UFRJ, o fato de haver duas empresas privadas construindo usinas na mesma região evita a concentração de mercado. Ele ressalta que haveria dificuldades para Odebrecht e Furnas bancarem duas grandes obras, que somam mais de R$18 bilhões.
- Eles ficariam muito endividados, o que os colocaria em situação vulnerável - afirmou Castro.
Jirau terá capacidade superior a 3.300 megawatts (MW) e poderá vender até 30% da energia que produzir no mercado livre, ao qual a tarifa de R$71,37 não se aplica. Por isso, o presidente da Energia Sustentável, Victor-Frank Paranhos, disse que o consórcio quer antecipar para março de 2012 a entrada em operação das primeiras turbinas. Jirau, assim, venderia por um ano toda a energia que produzir no mercado livre, obtendo lucro maior.
Segundo ele, mudanças no projeto original vão reduzir em R$1 bilhão os custos das obras, mas as alterações terão de ser aprovadas pelo Ibama.
- Ninguém quer atropelar o Ibama - garantiu Paranhos.
Os sócios da Energia Sustentável já aportaram R$2,5 bilhões na empresa e vão viabilizar o restante do capital por intermédio de financiamento do BNDES. Segundo Paranhos, o braço de investimentos do banco, BNDESPar, "é um bom parceiro", mas isso ainda não foi decidido. Fundos de pensão também têm interesse no negócio.
Leilão de Belo Monte será em 2009
Para erguer Jirau, Lobão estimou a criação de 20 mil empregos diretos e 50 mil indiretos. O ministro também informou que a licitação para Belo Monte, no Rio Xingu (PA), na qual espera tarifa no mesmo nível do Madeira, será em 2009. Para Lobão, com as licitações, "não teremos dificuldades de energia elétrica nem agora, nem amanhã, nem nunca".