Título: STF dá a Aparecido direito de se calar e mentir na CPI
Autor: Brígido, Carolina ; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 20/05/2008, O País, p. 5

Ex-secretário da Casa Civil depõe sobre caso do dossiê

Carolina Brígido, Adriana Vasconcelos e Luiza Damé

BRASÍLIA. O secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, apontado como responsável pelo vazamento do dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, conseguiu garantir no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de permanecer calado ou até de mentir diante das perguntas dos parlamentares da CPI do Cartão Corporativo. Ontem à noite, o ministro Carlos Ayres Britto, do STF, reconsiderou decisão anterior sobre o caso. Na semana passada, o ministro havia negado o habeas corpus a Aparecido. Com o salvo-conduto em mãos, Aparecido não corre mais o risco de ser preso no depoimento marcado para hoje.

Ayres Britto mudou de idéia depois que Aparecido foi indiciado pela Polícia Federal. Com isso, ele passa a ser tratado como investigado, e não como testemunha. Dessa forma, não será obrigado a fazer o juramento tradicional imposto às testemunhas de só dizer a verdade em depoimento. Se mentir ou ficar calado, não poderá ser preso.

Acareação entre depoentes não está descartada

Diferentemente de Aparecido, a disposição de André Fernandes - o assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) que recebeu o dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique - é fornecer o máximo de detalhes sobre o episódio. A expectativa da oposição é que o depoimento de André incrimine a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, braço-direito da ministra Dilma Rousseff.

André deve relatar o almoço que teve com Aparecido, no qual este revelou que Erenice teria dado a ordem para que secretários da pasta liberassem dois funcionários para ajudar no levantamento de dados do governo passado - que ele chama de dossiê. Se a versão de Aparecido for diferente, a oposição vai pedir uma acareação imediata com André.

- Se forem constatados fatos contraditórios, poderemos colocar em votação um requerimento de acareação entre Aparecido e André, que seria realizada logo depois dos dois depoimentos - antecipou a presidente da CPI, senadora Marisa Serrano (PSDB-MS).

André Fernandes também deverá reiterar à CPI a versão já dada à Polícia Federal de que em nenhum momento solicitou uma cópia do dossiê a Aparecido, de quem era amigo desde a época em que trabalharam juntos no Tribunal de Contas da União (TCU).

Mas os governistas não pretendem ceder facilmente à pressão da oposição. O líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o ministro José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) tentavam ontem demonstrar tranqüilidade em relação aos dois depoimentos de hoje.

Jucá reagiu também à hipótese de prorrogação dos trabalhos da CPI. A CPI deve terminar seus trabalhos dia 8 de junho.

- Podemos prorrogar por mais 30 dias a CPI, se forem aprovadas novas convocações. Mas para isso seria necessário o apoio de 27 senadores e 171 deputados - observou Marisa Serrano.

- Tentar ampliar o leque de convocados antes de ouvirmos os depoimentos de amanhã (hoje) é mais um movimento político do que uma ação de quem quer uma investigação séria - retrucou Jucá.

Antes dos depoimentos de André e Aparecido, a CPI fará uma sessão reservada para ler os depoimentos que os dois deram à PF. André deverá ser ouvido antes de Aparecido.

No Planalto, depois de participar de reunião da coordenação de governo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro José Múcio Monteiro disse que a expectativa é que José Aparecido esclareça o vazamento do dossiê. Múcio negou que Erenice deu a ordem para fazer o dossiê. E garantiu que ela não será demitida:

- Não, em hipótese nenhuma. É uma colaboradora excepcional do governo. O governo precisa dela - disse.

O ministro procurou reduzir o vazamento do dossiê a uma simples troca de informações entre dois amigos. Para ele, Aparecido não se enganou ao mandar o dossiê ao assessor do tucano, apenas não achou que "iria resultar no que resultou":

- (O depoimento) não preocupa. Talvez ele encerre este episódio. Estamos confiantes de que ele vai dizer a verdade, e a verdade é que se trata de uma comunicação entre amigos.