Título: Na era das novas mídias, Obama sai na frente
Autor: Valle, Sabrina
Fonte: O Globo, 20/05/2008, O Mundo, p. 27

Na era das novas mídias, Obama sai na frente

Em debate no GLOBO, cientista político diz que senador transformou uso de meios eletrônicos na campanha

Meia hora antes de encerrar um comício numa manhã de dezembro na Carolina do Norte, Barack Obama olhou para os celulares erguidos a pedido dele por parte dos 29 mil eleitores que haviam madrugado para vê-lo e deu um exemplo de como as novas tecnologias mudaram de vez a forma de se fazer campanha nos Estados Unidos.

O senador pediu que cada um deles mandasse mensagens de texto a amigos e ligasse para os cinco números de eleitores indecisos que apareciam no verso dos panfletos distribuídos previamente por sua equipe.

- Obama transformou o uso do telefone celular em campanhas. Usou o recurso de uma forma que ninguém tinha usado antes - disse o professor de Ciência Política da Universidade de Maryland, Thomas Schaller, no debate da série Encontros O GLOBO, realizado ontem no auditório do jornal.

O senador - cuja escolha como candidato do Partido Democrata já é dada como praticamente certa - não foi o único a explorar a internet e meios eletrônicos, mas foi o mais eficiente, segundo o especialista, e não por menos conquistou a preferência do eleitorado jovem.

Exemplos de como podcasts, mensagens de texto, blogs e vídeos online mudaram a campanha americana fizeram parte do debate, que foi aberto ao público e que contou também com a participação do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, do ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto Abdenur, do historiador Márcio Scalércio e foi mediado pela editora de O Mundo, Sandra Cohen.

- Os candidatos estão aprendendo a usar novas mídias para tirar o que querem dos eleitores. Seja para fazê-los sair de casa para votar, para trabalhar voluntariamente no centro de campanha, para convencer amigos a decidir o voto ou, o mais importante, a mandar o número de seu cartão de crédito online.

O cientista político disse que essa é a eleição americana com as primárias mais competitivas dos últimos 50 anos e que o resultado final deve ser apertado, tendendo a ficar entre 48% e 52%. O centro-oeste e o sudoeste, historicamente regiões decisivas, devem voltar a ter papel fundamental na disputa.

Para o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, Obama tem agora o desafio de convencer os eleitores de que "a juventude e a inteligência" são mais importantes do que idade e experiência. O fator racial, que andou apagado do debate, também deve voltar à corrida, já que agora Obama não disputará apenas os votos do eleitorado democrata, cuja mistura racial o favorece, mas sim o eleitor nacional, cujo perfil é mais branco e conservador.

- O fator racial vai acabar influenciando um contingente significativo de eleitores. Talvez para 20% o fator raça ainda seja uma questão - disse Lampreia. - Mas o principal desafio de Obama será convencer os eleitores de que a juventude e a inteligência são mais importantes do que a idade. E creio que ele tem todos os elementos para fazer isso.

Os debatedores também comentaram os efeitos do resultado das eleições para o Brasil. Schaller ressalta que nenhum dos candidatos detalha a linha política para a região.

- A América Latina não será um motivo de maior atenção (no debate eleitoral), o que é natural pois a região não está no eixo de confrontação estratégico dos EUA. Os pronunciamentos são muito vagos - disse Abdenur. - Mas as relações Brasil-Estados Unidos hoje são muito fortes, muito sólidas. A dinâmica é muito positiva. O Brasil é claramente reconhecido como um fator de estabilidade da região.

Para ele, McCain apresenta um discurso mais enfático em relação ao Brasil do que Obama, mas ambos mostram uma postura muito positiva em relação ao país. Entre as diferenças dos candidatos, Abdenur frisa que McCain defende a entrada do Brasil no G-8 e tem uma posição mais liberal em relação ao etanol brasileiro - embora tenha no Congresso, dominado por democratas, uma barreira à implementação de suas idéias. Já Obama defende o etanol brasileiro, mas se diz contra a revogação das tarifas, lembra.

O historiador Márcio Scalércio lembra que além de ser a primeira vez que um negro e uma mulher aparecem com chances reais de saírem presidente, a onda progressista vinda da ressaca da era Bush contaminou até o Partido Republicano, cujo candidato apresenta propostas menos conservadoras, como avanços na questão ambiental.

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Um quarto dos eleitores não é branco. É meio caminho da metade

Thomas Schaller

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Depois de tantas crises nos EUA, essa eleição será um divisor de águas

Luiz Felipe Lampreia

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Minha preocupação é a deterioração das relações Estados Unidos-Venezuela

Roberto Abdenur

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A nova onda progressista contaminou também os conservadores

Márcio Scalércio